
O inesquecível roteiro de viagem à Alemanha incluía castelos medievais, sinos no café da manhã, alpes com neve margeando a charmosa Estrada Romântica.
Campo de concentração não. Não combinava, não precisava, absolutamente não fazia parte dos nossos planos.
Mas como em determinado momento a viagem a dois se transformou num grupo de vinte, e em grupo há de haver flexibilidade e jogo de cintura, os planos acabaram mudando. Em poucos minutos estávamos no trem para Dachau, famoso campo de concentração próximo a Munique.
Quando visitou esse lugar há tempos atrás, minha mãe arrumou as malas e foi embora da Alemanha no dia seguinte. “A energia era pesada demais, filha”.
E foi com essa certa dose de preparo e coragem que entrei em Dachau. Algo me dizia que eu não poderia deixar de viver essa experiência, por mais árida e dolorosa que fosse.
Paralisada por alguns minutos na entrada, parte da tensão se transformou em surpresa com a fala do professor: “Seguindo alguns metros à esquerda, vocês verão vários templos: católico, protestante, judaico e ortodoxo-russo”.
“Tem Deus neste lugar”, pensei. Não tive dúvida de que era por lá que tínhamos que começar.
Na nossa quase silenciosa travessia, o que mais me tocou não foram os registros concretos e históricos de até onde vai a crueldade humana. O que mais me tocou foi o olhar das pessoas que por ali passavam. Olhar de respeito, seriedade, assombro, compaixão, solidariedade. Faria um museu, uma exposição apenas destes olhos, se pudesse.
Se por um lado os adultos se mobilizavam através do olhar, as crianças caminhavam leves, alegres, olhos sorrindo, sem se dar conta da dimensão de tragédia que habita aquele lugar.
Talvez tenha sido um mecanismo de defesa meu me ater ao olhar humano, ao invés do histórico registro desumano presente nos beliches amontoados, nas câmaras de gás e uniformes listrados.
Como diz uma bonita frase da constelação familiar, acho que minha mãe “carregou o piano para eu tocar”. Enquanto ela ficou agarrada à energia do passado (como era de se esperar, pela sua maior proximidade às nossas raízes), eu tomei a decisão de me conectar à energia do presente. Presente transforma-dor, de um passado cinza, pesado, violento, mas que acabou.
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