Se você ainda não assistiu “O Palhaço”, do talentoso Selton Mello, dê um “pause” na leitura e vá se emocionar com esse filme que é cheio de poesia e graça. Depois voltamos a conversar, que é pra não estragar a surpresa.
Se você já assistiu, ajeite-se bem na cadeira e vamos lá, prosear sobre a vida. A vida sobretudo de um palhaço profundamente triste, esvaziado de alegria, a despeito de ser palhaço. (É. Acontece. Palhaço também é gente.)
Poderia gastar dez posts discorrendo sobre o talento desse moço que é tão competente naquilo que faz. Mas falando agora como psicóloga, e não só espectadora, confesso que fiquei impressionada com o tanto de tristeza que ele conseguiu passar pela tela. Uma tristeza pungente, doída, dessas que pesam a alma como se ela carregasse pedra. E agora não vou falar nem como psicóloga nem espectadora, mas ser humano simplesmente, reles mortal que também tem os seus dias de tristeza. Nunca vi um sentimento ser transmitido de forma tão fidedigna e contundente. Tristeza contagiante, paralisante (em alguns momentos paralisava até a minha mão dentro do saco de pipoca).
O detalhe lindo do filme é o nome do circo: Esperança. Parece um detalhe bobo, simples, mas cheio de sentido para um palhaço que não dava mais conta de fazer o público rir (“E quem é que vai me fazer rir?”, pergunta ele uma hora). Movido pois pela esperança de ver essa tristeza se transformar em alegria – alegria de viver, pura e simplesmente – Pangaré deixa o circo pra trás e vai em busca da vida. Da sua vida, que fique bem claro. Leva no bolso a certidão de nascimento amassada (única referência oficial dele mesmo) e trata logo de fazer sua carteira de identidade, tão fundamental pra se apresentar ao mundo e poder dividir em fraternas parcelas o sonho do seu primeiro ventilador. Ventilador que gira, refresca, que seca o suor do trabalho e lembra que o mundo é redondo e dá voltas – voltas que majestosamente surpreendem o público no final.
Mais do que um documento plastificado com número, foto e impressão digital, Pangaré estava em busca do que nós também buscamos construir, cuidar e amar uma vida inteira – nossa identidade.
Com doçura e encanto, poesia e canto, nosso querido Palhaço nos ensina o que eu tanto acredito: a vida tem uma capacidade maravilhosa de transformação.
A plateia pede bis.
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