No último final de semana tivemos a alegria, o privilégio de passar bons momentos ao lado de adoráveis amigos em Escarpas do Lago. À noite, entre queijos e vinhos, risos e uma lua que foi nascendo majestosamente, sem pedir licença, começamos espontaneamente a sessão de “causos”.
A anfitriã, cirurgiã pediátrica de mão-cheia, cheia de luz e uma simplicidade encantadora, compartilhou conosco seu medo de avião. (Aliás, medo comum de gente grande na contemporaneidade. Enquanto as crianças disputam para sentar na janela e ficam literalmente nas nuvens, os adultos travam a boca, suam as mãos e fecham os olhos, pegando com Deus antes mesmo da decolagem.)
Ironias do destino. Eu morreria de medo de entrar num bloco cirúrgico e abrir a barriga de uma criança. Confesso aqui toda a minha admiração pela coragem, segurança, valentia e firmeza desses grandes salva-vidas.
Pois a Dri, que graças a Deus não é perfeita e nem tinha que ser, morre de medo de avião. (Também, pudera, os noticiários não têm ajudado muito.) E para driblar o medo, a doutora adota a seguinte tática: dispara a conversar. Igual pobre na chuva. Tagarelice forçada. Quem está do seu lado escuta:
“- De onde você é? Para onde vai? Trabalha com o quê? Tem quantos filhos? Quantos irmãos? Olha, eu vou ser muito direta: toda essa conversa tem apenas um interesse: me distrair do meu pânico de estar aqui agora, ouvindo o comandante falar que acabamos de entrar numa zona de turbulência.”
A Dri não é a primeira nem a última a ter medo de avião. O bacana é como que o medo da máquina leva à necessidade quase urgente de estar perto de gente. Como que trocar palavras com desconhecidos pode amenizar a angústia que vai lá no peito. Como que falar, falar, falar pode afogar a ansiedade e atenuar o nervosismo.
Sem se dar conta, essa minha amiga muito querida foi fazendo amizades na horas do aperto. Nada mais natural e oportuno. Teve pai de família que já até pegou o telefone dela e na semana seguinte apareceu com o filho de dois anos pra tirar o apêndice.
Capacidade de enfrentamento, é o que a vida nos pede. Seja para cruzar o Atlântico ou entregar o filho pro anestesista.
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