Que bom que a vida tem lá suas compensações. Cobertor quentinho no inverno. Chocolate pra dor de cotovelo. Abraço de urso depois de matar um leão por dia. Ombro amigo quando o seu já esfarelou de carregar tanto peso. Peso pesado, quem é que nunca sentiu o lado hard da vida? Basta uma espiadinha pela fechadura da alma e lá está ela: agachada, abafada, presa, chorando. Cada um sabe o motivo, cada um sabe o tamanho da cruz que carrega. Problema todo mundo tem, não se mede nem compara. Mas tem uma certa categoria de dor que mexe mais com a gente. Experimente passar a manhã de domingo visitando a ala infantil de um hospital. Experimente trocar a velha paisagem das praças coloridas e toboáguas eletrizantes pelos corredores assépticos, brancos, tristonhos. No lugar da pipoca e do algodão doce, estranhas seringas transparentes e soro gotejando vida. Pronto. Provavelmente você vai destrancar a alma e correr de volta pra praça, feliz porque o seu problema é apenas uma rixa com o chefe, um namoro que acabou, um projeto que não vingou. Bola pra frente, sacode a poeira e dá a volta por cima.
Voltando às compensações da vida, que bom que a gente pode transformar sofrimento em riso. Que bom que pra cada criança doente tem dois ou mais palhaços adentrando o quarto, fazendo graça e fabricando música.
Não, eu não passei um domingo no hospital mas é como se fosse. Fui assistir a um espetáculo do Instituto Hahaha (institutohahaha.org.br) e não sabia se ria ou chorava. A Mostra Hahaha emocionou a plateia ao demonstrar um trabalho cheio de nobreza e compensações as mais lindas: para a falta de toque, toc-toc na porta; para a seriedade da situação, nariz de palhaço; para braço engessado, abraço apertado; para o shhhh da enfermeira, música de primeira.
Parabéns, Instituto Hahaha. Vocês prescrevem com encanto, competência e alegria uma receita que não costuma mesmo falhar:
a de que rir ainda é o melhor remédio. (Mesmo quando há todos os motivos do mundo para chorar.)
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