
Arrume suas coisas. Rápido. Apenas o essencial. Deixe seus pertences pra trás. Travesseiros, xícaras, plantas, livros, porta-retratos, fins de tarde, fim de uma vida inteira. Leve com você urgente – corra! – seus amores, suas dores, sua esperança de que um dia haja uma volta pra casa. Haja coração. Aja. Corra.
Poderia ser você. Na Ucrânia. Poderia ser a sua família, exercício de empatia. Foi meu tataravô, há muitos e muitos anos atrás, nascido em Kiev, fugindo não da guerra, mas da perseguição dos czares russos. (E isso não seria uma guerra?)
Rússia versus Ucrânia, século 21, fevereiro de 2022. Eu juro que achei que a gente fosse parar na Segunda Guerra Mundial. Que os livros de história teriam apenas que voltar no tempo, e não prosseguir com ele nestes termos: bélico, belicoso, combatente, beligerante. Atacar, fogo. Bombas. Destruição. Dor. Destroços. Guerra.
Dia desses liguei o jornal na hora do almoço. Filé ao molho de lágrimas acompanhado de consternação. Velamos no horário nobre a paz dando seus ´últimos suspiros. Depois de um vírus que matou milhões de pessoas em todo o mundo, esse era definitivamente o tipo de notícia que a gente não precisava.
Termino o almoço, desligo a TV, volto para o meu refúgio. E é paradoxalmente na escuta de outras tantas “guerras”, dores, conflitos – com o outro e consigo mesmo – compartilhados comigo na sala 804 que ela, a minha paz, finalmente se refaz.
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