Palavras abraçam. Aproximam. Acolhem. Fazem do silêncio ponte, do coração tradução, da dor um caminho.

Renata Feldman faz das palavras matéria-prima. Seu trabalho é feito de escuta, acolhida, interação, escrita.

Seja no refúgio da psicologia clínica, nos livros publicados ou posts aqui do blog, palavra é preciosidade.

Entre, aconchegue-se e fique à vontade. É uma alegria dividir este espaço com você.

Flor decorativa
vida

Faz de conta

05 March, 2017

Ontem mesmo você estava aí brincando de faz de conta. Fez de conta que era pirata, odalisca, baiana, avestruz, Banana de Pijama. Ou usou de um pouco mais de discrição e fez de conta que era pescador, cozinheiro, amante, viajante, descobridor dos sete mares. Teve gente que colocou a fantasia de Soneca da Branca de Neve e não tirou mais,  aderência total ao Bloquinho da Fronha e do Travesseiro.

Mas aí o carnaval acaba e o faz de conta continua. Faz de conta que está tudo bem; que o seu trabalho é a melhor coisa do mundo, e que o seu chefe é expertise em te motivar a ser alguém melhor na vida.

Faz de conta que o seu casamento é feliz, tão feliz como no dia em que você disse sim e prometeu juras de amor ao pé do altar. (Falta de ar.)

Faz de conta que a sua família é perfeita, quase propaganda de margarina, e que ninguém nunca entra em conflito nem comete equívoco nem nunca se desencontra. Nunquinha.

Faz de conta que aquela amizade de longa data continua intacta apesar da distância e da falta de cumplicidade. Saudade.

Faz de conta que o seu filho está bem, obrigado, e que por trás daquele bom dia lacônico se esconde uma dor que você prefere ainda não enxergar. Faz de conta.

Algumas relações se desmancham como quarta-feira de cinzas. Algo acaba, termina, no mínimo se modifica, quer você queira quer não. O que sobra, de resto, é uma tristeza, uma ressaca, uma sede que nem água mata.

Para tempos cinzentos assim, a constatação de que a vida tem seus ciclos para abrir e fechar, vide as primaveras risonhas que sucedem os invernos mais ranzinzas.

Depois do brilho e do sol do carnaval (até mesmo debaixo d´água, se São Pedro decidir), vem as cinzas para confirmar, sem maquiagem ou disfarce, o quanto a vida é feita mesmo de contrapontos. “O que ela quer da gente é coragem“, já dizia meu amigo Guimarães Rosa. E um tanto de autenticidade também, acrescento, nada melhor pra gente seguir inteiro por aí e ser o melhor que cada um consegue ser.

É das cinzas que se renasce.

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