Ontem mesmo você estava aí brincando de faz de conta. Fez de conta que era pirata, odalisca, baiana, avestruz, Banana de Pijama. Ou usou de um pouco mais de discrição e fez de conta que era pescador, cozinheiro, amante, viajante, descobridor dos sete mares. Teve gente que colocou a fantasia de Soneca da Branca de Neve e não tirou mais, aderência total ao Bloquinho da Fronha e do Travesseiro.
Mas aí o carnaval acaba e o faz de conta continua. Faz de conta que está tudo bem; que o seu trabalho é a melhor coisa do mundo, e que o seu chefe é expertise em te motivar a ser alguém melhor na vida.
Faz de conta que o seu casamento é feliz, tão feliz como no dia em que você disse sim e prometeu juras de amor ao pé do altar. (Falta de ar.)
Faz de conta que a sua família é perfeita, quase propaganda de margarina, e que ninguém nunca entra em conflito nem comete equívoco nem nunca se desencontra. Nunquinha.
Faz de conta que aquela amizade de longa data continua intacta apesar da distância e da falta de cumplicidade. Saudade.
Faz de conta que o seu filho está bem, obrigado, e que por trás daquele bom dia lacônico se esconde uma dor que você prefere ainda não enxergar. Faz de conta.
Algumas relações se desmancham como quarta-feira de cinzas. Algo acaba, termina, no mínimo se modifica, quer você queira quer não. O que sobra, de resto, é uma tristeza, uma ressaca, uma sede que nem água mata.
Para tempos cinzentos assim, a constatação de que a vida tem seus ciclos para abrir e fechar, vide as primaveras risonhas que sucedem os invernos mais ranzinzas.
Depois do brilho e do sol do carnaval (até mesmo debaixo d´água, se São Pedro decidir), vem as cinzas para confirmar, sem maquiagem ou disfarce, o quanto a vida é feita mesmo de contrapontos. “O que ela quer da gente é coragem“, já dizia meu amigo Guimarães Rosa. E um tanto de autenticidade também, acrescento, nada melhor pra gente seguir inteiro por aí e ser o melhor que cada um consegue ser.
É das cinzas que se renasce.
Comentários
Seja o primeiro a comentar!