Renata Feldman

Palavras abraçam. Aproximam. Acolhem. Fazem do silêncio ponte, do coração tradução, da dor um caminho.

Renata Feldman faz das palavras matéria-prima. Seu trabalho é feito de escuta, acolhida, interação, escrita.

Seja no refúgio da psicologia clínica, nos livros publicados ou posts aqui do blog, palavra é preciosidade.

Entre, aconchegue-se e fique à vontade. É uma alegria dividir este espaço com você.

Vida

Falta

10 April, 2013


A história você já conhece:
a gente nasce, cresce, envelhece e morre um dia.
(Não necessariamente nesta ordem.)
Mas o tal do morrer assusta,
por mais “natural” que seja.
É que o “natural” também passa
pelo forte impacto do factual,
da concretude da perda, do fim mais finito.
Quem parte vai virar etéreo, anjo, estrela,
na melhor explicação que costuma se dar às crianças.
Quem fica precisa se acostumar com a presença
doída, moída, torturante de uma ausência
que não estava no script,
apesar de lá estar desde sempre.
Por mais rezas e velas acesas,
somos acostumados ao material.
Somos afetivamente,
emocionalmente materialistas por natureza.
O telefone que toca. O colo que acolhe.
A voz que pergunta como foi o dia.
O comprimido, a alergia, a mudança de tempo.
Os pés entrelaçados na cama.
O perfume, o toque, o braço que abraça.
O termômetro que atesta a febre,
o copo de leite, a roupa cheirando à amaciante,
o fio de cabelo no travesseiro.
As gavetas, o criado-mudo, o prato predileto,
a risada inconfundível.
O controle-remoto, o Jornal Nacional,
o sofá agora imenso.
As manias, os sapatos, a cabeceira vazia.
E aí vem a missa de sétimo, vigésimo, milésimo dia.
Só o tempo para serenar a dor
e acalmar esse mar revolto
que um dia quase afundou seus olhos.
Quem se foi nunca precisou ter ido, essa é a verdade.
Quem se foi jamais se vai.
Vira estrela dentro da gente,
pulsando no coração ad aeternum.
Tão dentro, tão perto, tão luz, tão sempre.
Saudade muda de nome, perde o sentido, perde o rumo.
Saudade a gente sente de quem está longe.

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