Renata Feldman

Palavras abraçam. Aproximam. Acolhem. Fazem do silêncio ponte, do coração tradução, da dor um caminho.

Renata Feldman faz das palavras matéria-prima. Seu trabalho é feito de escuta, acolhida, interação, escrita.

Seja no refúgio da psicologia clínica, nos livros publicados ou posts aqui do blog, palavra é preciosidade.

Entre, aconchegue-se e fique à vontade. É uma alegria dividir este espaço com você.

Vida

Carta ao Mundo

03 December, 2023

Belo Horizonte, 03 de dezembro de 2023.

Querido Mundo,

Há algum tempo venho pensando em escrever para você. Abrir meu coração, dizer o que se passa dentro dele. Espero que me compreenda, me ajude a entender o que também se passa com você.

O que aconteceu? Tenho te achado um tanto quanto estranho. Te vejo nos noticiários, nas ruas, no consultório. Lá, então, entre quatro paredes e o reforço de uma porta dupla acústica, você tem surgido bem machucado pra mim: doído, decepcionado, perplexo, fragmentado, adoecido; triste, exausto, banalizado, ansioso, com falta de ar e sem dormir. Tem dias que você chega de perna bamba e taquicardia sem que isso signifique necessariamente paixão, essa palavra que tanto me move. Você chega a desfalecer diante de mim.

Tenho escutado algumas coisas preocupantes a seu respeito: “O mundo está perdido.” “Que loucura.” “Onde esse mundo vai parar?” “Para esse ônibus que eu quero descer.” “O mundo vai acabar. “Meu mundo acabou.”

Às vezes tenho a sensação de que andam maltratando você; que o ar que a gente respira anda denso; que um dia você ainda vai explodir, sumir do mapa, deixar de existir. Pessoas brigando e matando no trânsito, cada vez mais caótico. Racismo. Violência. Xenofobia. Manchetes e mais manchetes rodopiando no celular, sem cessar. É tanta notícia ruim que eu já perdi a conta, não sei como você dá conta. Minas negligentes afundando gente. Gente perdendo casa, perdendo sonhos, perdendo uma vida inteira. Gente deixando de ser gente – se desumanizando bem ali à nossa frente. Gente escorregando na gravata e na própria língua, dando nó na cabeça da gente. Gente desdenhando de gente. Gente importante, de uma responsabilidade imensa, pronunciando graves equívocos a partir de um conflito que anda aterrorizando o mundo. O que aconteceu, minha gente?!

E aí eu abro um capítulo, um parágrafo dos mais tristes e tenebrosos para falar do pesadelo que você anda vivendo. Sim. Não, não é possível. Vi com os olhos atônitos e encharcados que em uma antiga terra sagrada o amor foi pisoteado pelo terror. Terror. E a partir daí fiquei olhando catatônica para você, tentando catar os cacos, tentando inutilmente te entender. Em pleno século vinte e um, Mundo?! Depois de tanta dor, tanto sofrimento, tantas atrocidades já vividas?!

Mais uma vez sequestraram o sol, apagaram a luz, apagaram vidas. Surto. Susto. Escuridão. Onde foi parar a paz? Onde jaz?

Responde, Mundo. Não fique mudo, pelo amor de Deus.

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