
“Tudo bem?”
“Não. Mas estou em paz, Renata. E talvez isso seja o mais importante.”
Colhi essa resposta de um cliente ao recebê-lo à porta do consultório, seguindo o cordial protocolo de cumprimento que aprendemos desde sempre, e gostei do que ouvi. Primeiro pelo sentimento que ele trouxe junto à resposta: paz é palavra linda de ouvir e sentir, sempre; segundo pela verdade (realidade) que a frase carrega, a partir do “não” que a principia. “Tudo” é muita pretensão, preciso concordar com ele. A vida não é perfeita, disso já sabemos. É feita de tantos territórios – saúde, família, trabalho, relações amorosas, amizade – que seria muita ilusão responder que sim a um “Tudo bem?” logo na entrada de um consultório de psicologia. (Especialmente lá, onde as verdades mais nuas e cruas, pra lá de profundas são compartilhadas).
Quando meu cliente finalmente se assenta, já de posse de um copo d´ água ou café (ou quem sabe uma caneca de chá, para alimentar a paz que vai ao coração), olho bem nos seus olhos e pergunto: “Como está você?” (…)
Dessa pergunta nascem as respostas mais incríveis, mais doídas, mais lúcidas ou confusas, mais fascinantes e angustiantes, mais cheias de entusiasmo ou desesperança, conforme a vida e o olhar de cada um. E é este mesmo olhar que faz com que o copo esteja meio cheio ou meio vazio, como dita o bom e velho clichê.
Por outro lado – e isso poderá soar um pouco paradoxal – há um “tudo bem” no afirmativo que ando dizendo com naturalidade e convicção, aconchegada pela verdade que ele também por sua vez carrega. Comecei a pensar nisso desde que a minha filha assistiu ao Toy Story 4 e chegou em casa aos prantos pelo final nada feliz. Ao pesquisar um pouco mais sobre o filme, encontrei a seguinte manchete da Folha de São Paulo: “Em Toy Story 4, amigos se separam. E tudo bem.”
E é aí que um “tudo bem” se encontra com o outro. Justo quando a vida se mostra imperfeita, “desmargarinizada”, tal qual ela é, com todos os seus desencontros e desapontos, frustrações e impossibilidades, vem a aceitação pra nos dizer que “ok, é assim, acontece, faz parte, o mundo não vai acabar, toca o barco, tudo bem”.
Para e pensa. O que anda acontecendo na sua vida em que caberia muito bem um “tudo bem” ao fim da frase?
O Natal não foi exatamente do jeito que você queria. E tudo bem.
Aquele moço bonito não te procurou mais. E tudo bem. (Apesar de doer muito ainda.)
Aquela encomenda não chegou a tempo. E tudo bem.
Você não conseguiu se despedir da sua mãe. E tudo bem. (Apesar do coração que se despedaça um pouco a cada dia.)
Estando tudo bem ou não, dependendo do ponto de vista, volto para você a pergunta lá de cima: “Como está você?”
Desejo que em paz, especialmente nessa contagem regressiva que nos levará a todos para um mesmo lugar chamado 2022. Que seja esse o nosso número da sorte, nosso talismã, senha segura para o afeto, alegria, esperança, leveza, humanidade e realizações as mais especiais.
Foi muito bom dividir mais um ano com você. Será também.
Feliz 2022!
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