

Perto de completarmos seis meses de quarentena – uma quarentena bastaante estendida, diga-se de passagem – nos sentimos cansados. Exaustos. Das telas, celas, janelas, noticiários, da interdição e da restrição, do confinamento e distanciamento. (Acho que até as palavras ficaram confinadas, custaram a aparecer de novo por aqui.)
Esta é a palavra que mais tenho ouvido no consultório: cansaço. Parece que ninguém achou que essa situação fosse levar tanto tempo. A afirmação que acenou confiante no início da quarentena – “Vai passar” – foi sendo substituída pela pergunta: “mas quando é que vai passar?!…”.
Fora a exaustão, o coração. Esse senhor que abriga o choro, a saudade, o lamento, o susto e o luto, tudo no mesmo compartimento ao lado do amor. Muitas pessoas indo embora, outras tantas permanecendo. Sendo. Heróis, testemunho, força, despedida. Sendo também a vida que continua lá fora, apesar de.
Bateu cansaço, mas bate ainda esse coração valente. Capaz de conter gratidão, esperança, fé, oração. Capaz de desaguar palavras, encontrar respostas, ensaiar abraços (mesmo que através do pensamento).
Para aliviar o fardo, criação de pausas. Invenção de moda. (Minha filha já mudou a disposição do quarto e pintou um copo, a capinha do celular e cinco telas que eu fiz questão de comprar antes que ela resolvesse partir para as paredes. Uma das obras-primas já está enfeitando o meu consultório.) E deixa o som rolar, sextou, transforma a sala em pista de dança. (Vai “Ser feliz na quarentena”, dica do dica, playlist criado pela minha querida Cris Guerra.) Depois, descanso. Dormir e sonhar com o que você quiser, no sono REM tudo pode acontecer. Então vai. Reinventa a roda, o riso, o tempo. Vai pra cozinha, testar um sabor diferente. Vai pra varanda, namorar o céu. Respira, medita, é tempo de se recolher à sua significância. Aproveita e convida o sol pra nascer bonito. Entra no mar sem sair do lugar. Banho de sais, festival de poesia, concurso de gastronomia. Pega um tanto de terra e vai plantar lavanda, jasmim, alecrim, camomila. Escutar música. Se escutar. Mas nunca, nunca mesmo, está me ouvindo? Deixe de prestar atenção à batida do seu coração.
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