
Não, você não leu errado. Nem eu cometi alguma falha de digitação por aqui. A troca da cedilha por n traz de imediato um apelo, um “acorda”, uma recusa à banalização que tenho visto acontecer de tantas maneiras por essa vida afora.
Coisas preciosas têm entrado no rol da banalização: amor, sexo, morte, a própria vida. E como parte da vida os problemas, as relações, as escolhas, o cuidado, (a falta de cuidado), a comunicação.
Vai-se vivendo no automático muitas vezes. E de forma narcísica também: eu, eu, eu. Vai-se perdendo de vista a dimensão de alteridade que nos cerca, a noção de empatia que nos habita – ou pelo menos deveria nos habitar.
O eu é precioso, de uma importância singular. (Mas não é só, está longe de ser uma ilha. Vira e mexe esbarra na singularidade do outro, tire o t e vira ouro. Valioso também.)
Escuto casais banalizando a própria história; se perdendo num bom dia (péssimo dia), se desgastando em discussões vazias; cotidianamente se desencontrando, se machucando, silenciosamente se desamando.
Escuto pais sem saber o que fazer com os seus filhos, numa total quebra de hirerarquia. Os pequenos gritam, batem, xingam. Imploram por socorro, clamam por limites.
O sexo acontece e desacontece, muito prazer. E viva a indústria farmacêutica que inventou a pílula do dia seguinte.
Crianças rebolam ao som de funk para papai e a mamãe filmar. A erotização precoce é viralizada e aplaudida nas redes sociais.
Alguém morre, no velório choram sua partida. Lá fora um pouco de ar e muito barulho, conversa jogada fora, quem sabe até uma piada para descontrair.
Fora as questões mais delicadas e imensas, as pequenas ocorrências do dia-a-dia: banalização do respeito no trânsito, falta de educação do vizinho, falta de retorno no WhatsApp. Até cartas de amor – tão raras nos dias de hoje – quem diria, têm ficado sem resposta. Como se não existisse relação de causa e efeito. Como se não existisse relação.
“Paciência”, é o que nos pede Lenine no título de uma de suas canções que traz como refrão: “A vida é tão rara”.
Pois que ela seja, Lenine. Que continue sendo, preciosa e rara. A despeito de tanto banalização que ando vendo e ouvindo por aí.
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