Esta cena você já viveu algum dia: a pessoa perde alguém muito querido, no susto ou na notícia já esperada, não menos doída; chora, muitas vezes desaba, morre um pouco também; vive o luto (muitas vezes não vive), segue o rito, se perde em mil abraços, busca alento na palavra, se despede sem querer jamais se despedir. (Quem é que inventou esse verbo? Ele tinha mesmo que existir?)
Essa pessoa pode ser um amigo, um parente, um vizinho; pode ser você, que um dia já sentiu na pele e no coração a dor funda, maior do mundo, que é perder alguém que ama muito, de um jeito que só o amor dá conta de explicar. (Dá?)
E aí os dias passam, inevitável que passem. O sol continua nascendo, o despertador nunca perde a hora, a rotina anda e desanda, a vida te convoca a continuar. E aí você encontra essa pessoa numa esquina qualquer e constata que ela está ali, inteira, bem na sua frente, obedecendo (ou pelo menos tentando obedecer) dona vida. Numa das poucas palavras trocadas, não é raro ouvir: “A gente encontra força. De onde nem sabia que tinha.”
Agora esquece a morte, o luto, a despedida que deveria ser desnecessário conjugar. Volta pra vida. Aquela, do dia-a-dia, que sem convocação ou motivo de força maior naturalmente te convida a viver. Onde os ritos são outros: trabalho, casamento, almoço, família, reunião de condomínio, missa de domingo, consulta com o dentista, café com as amigas, oito horas de sono por dia, “o que você vai ser quando crescer”, “o primeiro namorado a gente nunca esquece”, roupa pra lavar, mágoa pra esquecer, para-casa para ad eternum fazer. (Haja para-casa.)
Quando a vida corre sem sustos e sobressaltos, na leveza que ela pode e merece ter, ainda assim há de se arregaçar as mangas. Ninguém te disse que seria fácil, disse? (Se disse estava mentindo, lhe asseguro.) E é aí que você precisa descobrir a sua força, seu poder especial e invisível que te deixa de pé mesmo que ninguém tenha morrido. Força em vida, é disso que estou falando. Independente dos lutos no caminho, luta é o que não falta. Seja para tomar um ônibus. Pegar o elevador. Se declarar de amor. Tomar uma decisão. Se despedir daquela pessoa que não cabe mais na sua vida. Fechar a boca. Abrir a empresa. Encarar o medo. Ensinar seu filho a crescer. Tomar coragem de ser. Você, lembra? Tem alguém aí.
Selma says
Muito bom, texto rico demais, denso e leve ao mesmo tempo . Amei
Renata Feldman says
Obrigada, Selma!
Abraço carinhoso.
Andre says
Seguir em frente
Renata Feldman says
Vida que segue.
Beijos que seguem também.