Carregamos algumas certezas pela vida afora. E algumas incertezas também.
Sabemos o caminho de casa, que dia é hoje, qual o nosso tipo sanguíneo. Fazemos contas, planejamos viagens, consultamos a meteorologia, marcamos médico, preparamos o jantar.
E dá-lhe planos, rotina, agenda, mochila, terno, gravata, pés descalços, pausas sagradas para oxigenar o batente. A trivialidade da vida nos convida a atentar para os ponteiros do relógio, fazer a lista do sacolão, organizar gavetas, responder a mil demandas, colocar gasolina antes que a luz do painel acenda. Antes que a gente pare numa esquina qualquer.
Misturamos nossas certezas com infindáveis mecanismos de controle e defesa. Tudo matematicamente pensado, tecnologicamente testado, tudo na sua ordem e lugar. (Será?)
Brincamos de Deus quando avisamos que o dilúvio será às 16h de uma sexta-feira e praticamente decretamos feriado nacional. Aí a chuva vem e nos pega de surpresa – de com força e com susto – na terça.
Acreditamos que aquela relação será para sempre, mas o “para sempre” muitas vezes fura com a gente.
A vida vem em ciclos, um se fecha para outro abrir. Certamente vamos crescer, com toda a certeza vamos morrer um dia. (O esperado é que seja depois dos 90, de preferência com saúde e missão cumprida, morrer dormindo e feliz feito passarinho, conforme já combinei com Deus.) Antes disso, vamos vivendo. Amando, de preferência, com toda a verdade que habita o coração da gente – certeza maior não há.
Temos pela frente o previsível, o planejado, o combinado, esperado, rotineiramente determinado. Câmbio, positivo operante. E nesta confortável lista do que temos pela frente, buscamos nos distrair da nossa única grande certeza: a de que esse coração ritmado e certeiro, guardião de muita gente e história pra contar, um dia irremediavelmente irá parar de bater. Não sabemos quando, nem onde, nem como. Que saibamos amar, então. Porque é isso que a gente deixa e leva com a gente.
P.S: E por falar em certeza, eu tinha uma comigo: a de que começaria o ano escrevendo mais vezes para você. Pra mim. E se escrevo com o coração, acho que de alguma forma ele parou de bater. (…) Silenciou por dias, muito mais que o programado, quem sabe por solidariedade a uma pessoa querida cujo coração parou de vez. (Quanta dor, meu Deus.) E aqui estou eu de volta, com as palavras batucando no peito, quase a explodir, certa de que é preciso continuar. É o que a vida nos convoca a fazer, não é o que vivo dizendo por aqui?
Cesar Vieira says
Obrigado e parabéns por mais este post, querida Renata👏👏👏
Renata Feldman says
Eu que agradeço sua presença constante por aqui, Cesar!
Carlos Zech Coelho says
Cara Renata , esse seu post nos traz para a realidade; mesmo um ser iluminado como você, uma verdadeira “encantadora de mentes” , tem seus momentos de reflexão, sofre pela partida de uma pessoa querida, também tem seus dias nublados, apesar de ser Sol para tantos… muito obrigado!
Renata Feldman says
Que lindeza isso, Carlos. Um poema seu comentário, acabei de ganhar um presente. E que bom a gente saber – e lembrar – que é humano, de carne e osso, com um coração batendo no meio do peito. Sofrer, meu caro, é inerente à nossa existência. Escrever me ajuda – e muito – a seguir em frente.
Abração, e muito obrigada!
Maria José says
Confiando que o seu compromisso com a alegria de viver, do qual sou testemunha há tempos, vai acalmar em breve esse coração tão generoso e sensível, querida menina!
Renata Feldman says
Testemunha e “culpada”, minha querida Maria José! Dessas culpas boas de carregar, “acuso” você de grande parte dessa minha alegria. Ah, “acuso” e agradeço muito, sempre!…
Beijo nesse seu coração que me guarda tão bem, há tanto tempo.
Maria José says
Tem razão, de novo, querida Renata!
O coração , às vezes, ainda que não pare de bater , fica no modo ” suspenso” . Suspenso para sentir a dor devagar, em silêncio, para colocar as coisas em ordem sem mais contar com quem se foi, para tentar entender, até sentir que, se foi amado, nunca sairá de nós e o carregaremos conosco para onde formos. Aí, o coração bate de novo. De saudade, que seja, mas bate.
Renata Feldman says
Batucada especial essa, Maria José querida: quando o coração passa a carregar, pra cima e pra baixo, gente amada que se foi, na verdade sem jamais ter ido. ❤️
Sheila Pereira says
Incrível, mas quando me vejo em um caos, suas palavras me puxam para o alívio!
Encantada com seu post, como sempre.
Gratidão, minha querida Renata!
Renata Feldman says
Palavras têm o poder de abraçar, Sheila querida. Que o caos se desmanche em lugar calmo, sereno e seguro.
Abraço apertado.