A história você já conhece:
a gente nasce, cresce, envelhece e morre um dia.
(Não necessariamente nesta ordem.)
Mas o tal do morrer assusta,
por mais “natural” que seja.
É que o “natural” também passa
pelo forte impacto do factual,
da concretude da perda, do fim mais finito.
Quem parte vai virar etéreo, anjo, estrela,
na melhor explicação que costuma se dar às crianças.
Quem fica precisa se acostumar com a presença
doída, moída, torturante de uma ausência
que não estava no script,
apesar de lá estar desde sempre.
Por mais rezas e velas acesas,
somos acostumados ao material.
Somos afetivamente,
emocionalmente materialistas por natureza.
O telefone que toca. O colo que acolhe.
A voz que pergunta como foi o dia.
O comprimido, a alergia, a mudança de tempo.
Os pés entrelaçados na cama.
O perfume, o toque, o braço que abraça.
O termômetro que atesta a febre,
o copo de leite, a roupa cheirando à amaciante,
o fio de cabelo no travesseiro.
As gavetas, o criado-mudo, o prato predileto,
a risada inconfundível.
O controle-remoto, o Jornal Nacional,
o sofá agora imenso.
As manias, os sapatos, a cabeceira vazia.
E aí vem a missa de sétimo, vigésimo, milésimo dia.
Só o tempo para serenar a dor
e acalmar esse mar revolto
que um dia quase afundou seus olhos.
Quem se foi nunca precisou ter ido, essa é a verdade.
Quem se foi jamais se vai.
Vira estrela dentro da gente,
pulsando no coração ad aeternum.
Tão dentro, tão perto, tão luz, tão sempre.
Saudade muda de nome, perde o sentido, perde o rumo.
Saudade a gente sente de quem está longe.
Rita de Cassia Ribeiro diz
Bom dia, querida Renata!
Como vc tem sempre o alvo certeiro em meu coração.Coração? Não, é pouco, alma tb. Perdi meu pai há um ano e minha mãezinha sofrendo com o mal de Alzheimer, já a estou perdendo por algum tempo…como dói…Não sei se concordo quando diz q o tempo ameniza a dor da perda, penso q ele nos ajuda a conviver com ela. No caso de meu pai o q fizemos p abrandar a saudade foi plantar um arbusto ao lado de sua lápide, náo só por ele ter sido um grande ecologista, mas tb uma tentativa de neutralizar a morte com a vida através de uma bela árvore!
Bj grande, muito querida!
Rita de Cássia
Renata Feldman diz
Rita querida,
Quanta emoção no seu relato! Quanta verdade na sua dor!…
Que esta bela árvore da vida possa oxigenar o coração e fortalecer cada vez mais o amor pelas suas raízes, minha querida!…
Fico muito feliz pela sintonia de alma que conseguimos estabelecer por aqui.
Um abraço carinhoso, cuide-se bem!…
Adriana diz
Ai Renata, tive que escrever um comentário aqui também, um assunto que mexe com meu coração: a “danada” da falta. Isso de “com o tempo passa”… “a dor vira saudade boa”. Não existe isso para quem perde um Pai querido e amado. Você diz que a pessoa está aqui dentro do coração. Tudo bem. Mas e o dia a dia. O sofá vazio, o JN, a voz, o cheiro, a risada, a presença. O “morrer” assusta. Nunca mais você vai ver. Como assim? Virou estrela? Quem não dá conta do recado, precisa de uma “Renata” ao seu lado. Um anjo que, no oitavo andar, ajuda a confortar a dor dos três anos e quatro meses de uma ausência. Obrigada pelo carinho e paciência com que você trata os assuntos “significativos”. Adriana
Renata Feldman diz
Adriana querida, tento imaginar o tanto de dor, susto, vazio, saudade e falta que preenche o seu coração, tento me colocar no seu lugar e sinto muito.
Que bom que o meu oitavo andar te ajuda a caminhar neste chão tão árido e tortuoso.
Estou aqui com você!…
Abraço afetuoso!
cecilia caram diz
RE do coração: as fotos estão lindas, os textos, como sempre, reveladores sensatos da alma,e o melhor é que dessa vez consegui entrar neles e me ver, rever, enterter!!!!Parabéns com força.Sobre borboletas:quando era pequena, minha recem falecida tia Lourdes,filosofa que decidiu morar na fazenda,pois seu amor tinha como meta esse estilo de vida, fez de cada dia uma inspiração.Uma delas era colocar a gente com puças nas mãos e catar borboletas no caminho da fonte de água limpa no meio do mato.Depois que elas morriam(não me pergunte como isso acontecia, pois me esqueci),a gente pregava com alfinetes as asas e montávamos quadros lindos, coloridos, que ela pendurava com reverência nas paredes da sala:assim nos tornamos artistas e aumentamos a cada asa coletada nosso amor a nós mesmos e à natureza.Beijos leves como toques dessas asas suaves, Cil.
Renata Feldman diz
Cil querida,
Você não imagina a minha alegria em te ver “borboleteando” por aqui.
Sua doce presença enche de leveza e encanto esse canto que eu amo tanto.
Linda a história da tia Lourdes, obrigada por compartilhar!
Beijos carinhosos, volte sempre!
Adriana diz
Renata, você continua ao meu lado, como um anjo que ajuda a confortar a dor da ausência, desta vez, de dezesseis dias. A falta, agora, é da Mãe querida e amada. A cadeira vazia, a voz, o cheiro, a presença. A rotina diária que preenchia a minha vida. Em 24 horas acabou… O “morrer” continua assustando. Nunca mais. Renata, muito obrigada pelo seu carinho e atenção. Adriana
Renata Feldman diz
Adriana querida,
Num só post, dois comentários seus. Pai e mãe, “ouro de mina”, música-verdade de Djavan. A falta agora é ainda mais imensa, eu sei. Essa falta que enche o coração de orfandade e dor, simplesmente porque nunca faltou amor.
Sim, minha querida, aqui estou. Ao seu lado e dentro do seu coração, tentando abrir as janelas para o sol entrar, mesmo que por uma pequena fresta. Aqui estou.