Tenho escutado algumas crianças dizerem que não querem crescer.
Às voltas com suas bolas, mochilas, bonecas, cadernos, patins, pelúcias, boletins e aviões de lego, vão aprendendo desde cedo que essa história de virar gente grande não é brincadeira.
Fico me indagando o porquê desta síndrome de Peter Pan, primeira talvez de muitas angústias existenciais que ainda virão pela frente. Fadas, piratas, crianças de pijama voando em um céu estrelado; bala, chicletes, pirulito, jujuba; colo, aconchego, livro de história, guerra de travesseiros. Hum. Extremamente tentador esse universo infantil, você que já teve infância é que o diga.
Mas talvez a dificuldade dos nossos pequenos Peter Pans não esteja apenas em largar mão de suas fantasias, do seu lúdico e convidativo oceano de aventuras. É que eles andam virando gente grande rápido demais. Agenda cheia, horários apertados, “minivestibulandos” a caminho do sucesso, para-casas intermináveis, aulas de robótica, “um dois, feijão com arroz.” Sobra pouco tempo para ser criança. Sobra angústia de crescer antes da hora.
Talvez eles olhem para o lado, no sofá, e vejam naqueles em quem mais amam um modelo de gente grande bastante atarefada de ser: sempre correndo, um olho no relógio e outro vidrado no celular, gravata apertando o pescoço, atraso na porta da escola, cansaço estampado no rosto. Crescer para ficar assim? “Profissão Peter Pan”, sem discussão.
Talvez vivam numa bolha, superprotegidos por mães que não os deixam crescer. Aprisionadas pelo medo, controle, trauma e a emoções trancadas, acabam aprisionando seus filhos também, cortando suas asas cada vez que eles ameaçam se aproximar das estrelas. Cadê você, Peter Pan, quero voar.
Parênteses para um outro lado triste e sombrio de uma infância em preto e branco: crianças sem arroz nem feijão, mas bem familiarizadas com as balas, chicletes e jujubas que tem de vender no sinal de trânsito. Sinal vermelho, infância vazia, se pudessem esses Meninos Perdidos também voariam para a Terra do Nunca.
E aí vem a vida para mostrar que o tic-tac do relógio faz sentido, faz presença, mesmo que às vezes nos engula, como fez o crocodilo com o Capitão Gancho. O tempo passa, as crianças crescem, os primeiros fios de bigode aparecem e as meninas entram para o rol da clássica propaganda “O primeiro sutiã a gente nunca esquece.” Perdem a infância e ganham novos espaços, estações, lugares no mundo. Ainda bem.
Crescer dói, mas faz parte e é de uma lindeza danada. Você não precisa virar Peter Pan nem congelar o tempo, mas pode cuidar para sempre dessa criança adormecida aí no peito. Tem hora que ela acorda. Tem hora que ela chora. Tem hora que faz pirraça, sapateia, pede colo. E ainda assim é a criança mais linda que você já viu na vida. Foi lá, bem lá, onde tudo começou um dia. Lá na noite mais estrelada do seu “era uma vez”.
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