Há um tempo que não volta. O tempo do ontem, das memórias guardadas, das palavras não ditas, do beijo interrompido. O tempo do talvez que ficou perdido na própria indagação, das perguntas sem resposta, da labuta vivida, dos registros mais lindos.
Na sala de TV, desviando o meu olhar das quase sempre má notícias, um porta-retrato digital rouba a cena. E ali, naquele álbum vivo, cheio de cores e movimento, vejo resvalar o tempo. Por um instante desço no toboágua com o meu filho, carrego a minha filha no colo, esquento a mamadeira, deixo os dois com a avó e vou namorar em Paris, logo ali. Por um instante sou outono, primavera, semblante sério, rugas de tanto rir. Sou dona de cachorro, sou noiva jogando o buquê, sou dona do meu nariz. Quantos minutos, segundos, quantos calendários já passaram por mim?
Nessa hora já nem escuto o noticiário, apenas me vejo em retrospectiva pelo vidro daquele porta-retrato pós-moderno, “na minha época” eles eram estáticos e de madeira. E nesse tempo que não volta (será que não volta?) sou casa nova, ponte, construção, abraço de pai, bênção de mãe, paz e cantoria, pausa e travessia. Sou dez, vinte anos atrás, sou pôr do sol se pondo em mim.
Há um tempo que fica. Pra sempre. Ad aeternum o afeto desvelado, as coisas verdadeiras, o amor cultivado por mãos de jardineiros.
Compartilhar este post
Posts Relacionados
vidaCiclos
“Te amarei de janeiro a janeiro até o mundo acabar.” O mundo continua, graças. 2026 bate na porta e abre janelas para você amar, cultivar, cantar, curar, dançar, estudar, suar a camisa, viajar, meditar, sonhar, realizar, se encontrar. Escolha um verbo, faça seus pedidos, amém. Por aqui, o ano chega ao fim com essa promessa de amor cantada lindamente por Nando Reis e Roberta Campos. Em alto e bom som. Cantemos, pois. E você? Com que música se despede de 2025? O que fará de janeiro a janeiro?
vidaDoce alquimia
Incrível a doce alquimia da vida. O dom de transformar leite condensado em brigadeiro. Farinha de trigo em Challah. Espera prolongada em Beta hCG positivo. Colo em passos de dança. Semente em flor. Dia-a-dia em alegria. E assim a gente vai transformando picolé em palito premiado. Contos de fadas em "Friends", "Amor e gelato", "Gossip Girls". Escola em faculdade. Aconchego em saudade. Amor em história. História em continuidade. A gente vai virando a folhinha do calendário e percebendo que o tem
emoçãoCarta à Clarice Lispector
Querida Clarice, Já se passaram alguns dias do nosso encontro no teatro. Queria ter escrito já no dia seguinte, transbordando que estava de emoção, mas o correr desenfreado do tempo fez com que os rascunhos acabassem guardados em uma gaveta do coração. Ah, como chorei: ao te ver, te ouvir, te sentir. Como foi bom te ver viva, vivíssima, através da belíssima atuação de Beth Goulart (tão linda, tão parecida fisicamente com você, impressionante!). Atriz e escritora se fundiram, pessoa e personage
Comentários
Seja o primeiro a comentar!


