Dia desses o coração do meu pai fez aniversário. Dezoito anos de uma cirurgia meio que no susto, “é pra já”, quatro pontes de safena levando a novos caminhos na vida dele: mais leveza, mudanças de hábito, muuita ginástica, cuidados com o corpo e a alimentação. Ganhei um pai atleta.
Estive lá com ele naquele quarto de hospital, nem sei por quantos dias. Apesar das circunstâncias, do dreno e de todos aqueles fios, nunca conversamos tanto. O que não faltou foi assunto para o relógio andar mais rápido e o coração voltar ao ritmo, amorosa e pacientemente.
O momento mais difícil foi no início, alguns dias depois da cirurgia, quando fui visitá-lo no CTI. Ele de coração reestilizado e o meu apertado, fazendo jus à fama terrível daquele lugar. Mas qual não foi minha emoção ao ver que o meu pai, sempre tão avesso à sangue e à hospital, era o único paciente assentado, firme e forte, coluna ereta, olhar sereno enquanto o dreno fazia lentamente o seu trabalho. Nunca vou me esquecer daquela cena: um misto de surpresa, alegria, gratidão e orgulho de ver meu pai daquele jeito, sorrindo timidamente pra mim e dizendo com os olhos: “Conseguimos, aqui estou. Agora é bola pra frente!…” (E com muitos gols do Galo, pai, o que não falta por aqui é torcida.)
Quem diria. Da fragilidade força, da obstrução pontes no caminho. Bem como disse Fernando Sabino em suas poéticas dicotomias, não me canso de evocá-lo: “De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.”
Sempre que preciso buscar forças dentro de mim, volto naquele CTI e encontro o meu pai. Seu sorriso, sua força, sua prontidão para recomeçar se tornaram uma importante referência pra mim.
E o seu coração, como anda batendo? Quantas pedras ou pontes no caminho? Onde você tem buscado forças para seguir, apesar de?
Avante, é o que costumo dizer aos meus clientes ao final da sessão. É da porta pra fora que a terapia realmente começa.
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