As crianças vão crescendo e as perolices vão se tornando ligeiramente escassas. Começa a entrar ponderação onde antes a espontaneidade corria solta, a vergonha entra em cena e o senso crítico acena, meio que de soslaio, transformando a configuração dos pensamentos e porquês.
Ainda assim há o que contar, que bom que há. A gente cresce mas a nossa criança permanece, risonha e faceira, pedindo altas em um mundo por vezes sério e carrancudo demais.
Nas últimas semanas minha Bella andou colecionando pequenas pérolas que eu não poderia deixar de registrar por aqui, numa tentativa de eternizar a pureza da criança que já não quer mais usar franjinha e se recusa a ganhar beijo no dedo machucado: “Não sou mais neném, mãe.”
Um dia pedi a ela para distrair a Jessie:
– Joga o osso bem longe pra ela pegar e fecha a porta correndo, se não a gente não consegue sair de casa.
– Ai, mãe, isso parece traição.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
E como se não bastasse a cachorrinha que corre alegre pela casa, a pequena ainda queria um outro animal de quatro patas, paradoxo perfeito com as suas raízes judaicas:
– Ahhh, eu também queria tanto um porco de estimação (!).
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Quando da tragédia de Mariana, acordou impressionada:
– Sonhei que toda aquela lama era de chocolate, mamãe. Ninguém morreu, o rio ficou mais doce e a gente ainda conseguiu levar aquele chocolate todo pra escola. Ele ficou guardado dentro do bebedouro, era só encher a garrafa (!).
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
E por falar em chocolate, outro dia ela estava apresentando o chocotone pra amiga Sofia (outra “mestre em perolices”), que dormiu lá em casa:
– Olha isso, Sofia: massa fofinha, cheia de gotas de chocolate! Eu espero o Natal o ano inteiro pra comer chocotone!…
Ao que a mãe teve que fazer uma pequena intervenção:
– Devagar, Bella, não pode comer demaaais… Muita caloria, colesterol…
Ao que a amiga reforçou:
– É… Isso te transforma num Papai Noel.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
– Vovó, quantos anos você tem?
– 65, Bebella.
– 65?!?!! Isso tudo?!! Eu achava que fosse 61! Quando eu tiver a sua idade, vou estar coroca (!).
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
– Esse horário de verão é terrível, vocês estão custando a acordar! Acho que vou colocar o despertador para tocar 15 minutos mais cedo, não quero vocês se atrasando pra aula.
O Léo, que adora chegar pontualmente na escola (quanto antes melhor), foi logo dizendo:
– Pode me chamar às cinco e meia, mãe!
A Bella, que deve ser mesmo parente da Adormecida, não deu ponto sem nó:
– Pode me chamar às nove (!).
Compartilhar este post
Posts Relacionados

Carta à Clarice Lispector
Querida Clarice, Já se passaram alguns dias do nosso encontro no teatro. Queria ter escrito já no dia seguinte, transbordando que estava de emoção, mas o correr desenfreado do tempo fez com que os rascunhos acabassem guardados em uma gaveta do coração. Ah, como chorei: ao te ver, te ouvir, te sentir. Como foi bom te ver viva, vivíssima, através da belíssima atuação de Beth Goulart (tão linda, tão parecida fisicamente com você, impressionante!). Atriz e escritora se fundiram, pessoa e personage

Foi-se
Agosto foi embora e eu nem vi. Vivi. Muito, intensamente, cada segundo desse mês que geralmente se mostra - se sente - tão longo, tão grande, exageradamente demorado. Cadê? Passou, fui, ui, o tempo está mesmo voando. (Ou fui eu que não parei.) Agosto dos ventos uivantes, gelados. Das notícias ruins para quem acredita em superstição. (Ou no próprio desenrolar dos fatos, é fato...) E também das notícias boas, assim é a vida, gente querida andou nascendo e soprando velas por aqui. Viva! E teve na

Estou aqui.
Sim, eu sei. Perdi o timing. Me perdi em meio à minha emoção, à minha ação. (Acho que fiquei paralisada, fora do ar, sem palavras.) Aí a vida veio passando, outros filmes também, e aqui estou: atrasada feito o coelho da Alice, "é tarde, é tarde, é tarde", mas aqui estou. Preciso ticar essa pendência. Check. Pode ser que você não leia, já tenha se saturado com o assunto, vou entender. Mas preciso escrever, a dívida é comigo mesma. E antes que você vá embora, te adianto um pequeno spoiler: o post
Comentários
Seja o primeiro a comentar!