Palavras abraçam. Aproximam. Acolhem. Fazem do silêncio ponte, do coração tradução, da dor um caminho.

Renata Feldman faz das palavras matéria-prima. Seu trabalho é feito de escuta, acolhida, interação, escrita.

Seja no refúgio da psicologia clínica, nos livros publicados ou posts aqui do blog, palavra é preciosidade.

Entre, aconchegue-se e fique à vontade. É uma alegria dividir este espaço com você.

Flor decorativa
Família

"Permissão para ser pai"

15 February, 2017

Um casamento, uma filha, uma traição, um divórcio.

A mãe despeja sua dor sobre a filha, lhe (re)apresentando um pai malvado, injusto, cruel.

Alienação parental estabelecida, a menina de apenas 7 anos se fecha para o pai, e a palavra de ordem é recusa: não para o fim de semana, não para o parque, não para o Natal, não para o abraço. Nem pensar.

Diante de um pai arrasado, a resposta da menina nasce pronta:

“- Você passou a mamãe pra trás, ela ficou muito magoada, eu não vou passar o Natal com você.”

Simples e direto assim. Complicado e doído, sem direito a conversa ou sim.

Esta cena – comum, infelizmente tão comum na vida real – eu assisti no filme Beleza Oculta, inspiração do meu último post. E uma das partes mais lindas, mais tocantes, foi o que o Amor (no papel da bela Keira Knightley) disse para o pai no momento em que ele contemplava o porta-retrato da filha, afundado em uma dor que só quem já passou por isso sabe explicar.

Misturando delicadeza e firmeza, rima tão perfeita, o Amor afirmou:

“- Você não tem que pedir permissão para ser pai.”

Tomado pela força e impacto dessas palavras, quase uma chacoalhada, o homem se pôs em movimento, mudando significativamente sua postura e a rota da sua vida. Passou a esperar a filha na porta da escola todos os dias, com um sorriso iluminado e a convicção de que nada, absolutamente nada poderia subtrair ou anular o que ele era: pai, com todas as letras e a grandeza que este nome traz.

Me lembrei de uma frase de Bert Hellinger que ouvi uma vez em  um seminário: “Não são os pais que se separam, mas o homem e a mulher que existiam antes de se tornarem pai e mãe. No coração de um filho, os pais jamais se separam. Jamais.”

Me lembrei do meu pai também, que tantas e tantas vezes me buscou de surpresa na escola, sempre com um abraço apertado, um pacote cheio de guloseimas e disponibilidade infinita para brincar de esconde-esconde, a gente era craque em fazer parar o tempo. Ele nunca pediu permissão para ser pai, nunca precisou. E lá estava ele na porta da escola, e em tantos outros cenários que compartilhamos juntos, e sempre do outro lado da linha, umas três vezes por dia: bom dia, boa tarde, boa noite, dorme bem, sonha com os anjos, amo você, minha princesa.

E eu ali no cinema, muitos anos depois, dividindo a pipoca com o meu marido e meus dois filhos, fui tomada de amor e gratidão. Assistindo à cena do pai e da filha na porta da escola, os olhinhos dela brilhando e dizendo um sim! que as palavras não dão conta de dizer, voltei no tempo e chorei de emoção.

Como me encontro em você, pai. Sempre me encontrei, sempre te encontrei, até mesmo quando você se escondia nos lugares mais difíceis.

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