Palavras abraçam. Aproximam. Acolhem. Fazem do silêncio ponte, do coração tradução, da dor um caminho.

Renata Feldman faz das palavras matéria-prima. Seu trabalho é feito de escuta, acolhida, interação, escrita.

Seja no refúgio da psicologia clínica, nos livros publicados ou posts aqui do blog, palavra é preciosidade.

Entre, aconchegue-se e fique à vontade. É uma alegria dividir este espaço com você.

Flor decorativa
Família

Perdi o jeito

03 July, 2019

Antes que o tempo corra ainda mais ágil, serelepe, urgente; antes que minha filha adolesça de vez, migrando da graça da infância para o respiro de novos ares, lá vou eu – catando pérolas e colecionando-as aqui, neste meu precioso colar de contos e memórias.

Momento café da manhã, sagrada correria nossa de cada dia.  Em meio ao tilintar de xícaras e talheres, disputando espaço com a geleia e a cesta de pães, uma prova de geografia salta bem à minha frente, com a dona dela sorrindo pra mim:

– Olha como fui bem, mãe. Assina pra mim? (…)

– E agora essa, de ciências. Não tirei total por um décimo!…

– Agora, teve uuma, de matemática, que eu não lembro quanto tirei… Eu esqueci na escola… E-eu perdi média… Você pode fazer um bilhete pro professor, falando que você está ciente?

Cientíssima. Um olho no relógio, o outro no ovo já quase cozido (paixão matutina da Bella), e olha a tapioca saindo no capricho!, e olha a mensagem do meu pai chegando pelo zap (“Bom dia alegria”!), e assim fui escrevendo  o bilhete enquanto bebericava meu café. (Não sei como ainda não inventaram mãe-polvo ou mulher-elástico, juro que eu ia “levar” uma de cada.)

Como ainda “não inventaram”, acabei deixando a água ferver um cadinho além da conta, e o resultado foi uma gema um pouco mais consiste que o normal. (“Normal”, como dizem os pré-adolescentes que escuto lá no consultório…) Foi quando veio a pérola:

– Mamãe, tô achando que você perdeu o jeito do ovo… (!)

– Ah, menina!… Se apresse porque senão você é que vai perder: a aula!

E lá foi ela, mochila nas costas envergando a coluna, a mãe rindo de mais uma “perolice” pra coleção.

Algumas horas depois, recebo o seguinte Whats´App da Coordenadora da escola: “Bom dia. Comunicamos que Isabella não trouxe a prova de matemática assinada. Favor verificar.”

A mãe respondeu com gosto: “Bom dia! Ela me falou, enviei um bilhete ao professor dizendo estar ciente. Obrigada!”

Mas a Coordenadora continuou: “Ela esqueceu o bilhete. Por isso mandei  zap!!!”

A mãe encerrou a conversa com um emoji de macaquinho envergonhado acompanhado da seguinte explicação: “Hormônios, só pode ser!… Do crescimento e do esquecimento!” (Emoji rindo, só podia…)

Compartilhar este post

Posts Relacionados

Doce alquimiavida

Doce alquimia

Incrível a doce alquimia da vida. O dom de transformar leite condensado em brigadeiro. Farinha de trigo em Challah. Espera prolongada em Beta hCG positivo. Colo em passos de dança. Semente em flor. Dia-a-dia em alegria. E assim a gente vai transformando picolé em palito premiado. Contos de fadas em "Friends", "Amor e gelato", "Gossip Girls". Escola em faculdade. Aconchego em saudade. Amor em história. História em continuidade. A gente vai virando a folhinha do calendário e percebendo que o tem

1 de nov. de 2025Ler mais →
Carta à Clarice Lispectoremoção

Carta à Clarice Lispector

Querida Clarice, Já se passaram alguns dias do nosso encontro no teatro. Queria ter escrito já no dia seguinte, transbordando que estava de emoção, mas o correr desenfreado do tempo fez com que os rascunhos acabassem guardados em uma gaveta do coração. Ah, como chorei: ao te ver, te ouvir, te sentir. Como foi bom te ver viva, vivíssima, através da belíssima atuação de Beth Goulart (tão linda, tão parecida fisicamente com você, impressionante!). Atriz e escritora se fundiram, pessoa e personage

13 de out. de 2025Ler mais →
Foi-sevida

Foi-se

Agosto foi embora e eu nem vi. Vivi. Muito, intensamente, cada segundo desse mês que geralmente se mostra - se sente - tão longo, tão grande, exageradamente demorado. Cadê? Passou, fui, ui, o tempo está mesmo voando. (Ou fui eu que não parei.) Agosto dos ventos uivantes, gelados. Das notícias ruins para quem acredita em superstição. (Ou no próprio desenrolar dos fatos, é fato...) E também das notícias boas, assim é a vida, gente querida andou nascendo e soprando velas por aqui. Viva! E teve na

1 de set. de 2025Ler mais →

Comentários

Seja o primeiro a comentar!