
A gente morre um pouco cada dia. Sem ritual fúnebre, certidão de óbito ou despedida, vamos partindo aos poucos, sem perceber, sem dizer adeus.
A Deus (e também aos seus pais, sua família, sua memória afetiva) pertence o menino que você foi um dia. Doce, espevitado, olhos brilhando assim que anunciava o dia: “O céu tá azulzinho. Vamos brincar?” Hoje, o céu mal azulou você já está dando nó na gravata, com a responsabilidade de quem sabe que a vida não é brincadeira.
A Deus (e cia) pertence a menina que você foi um dia. Sapeca, tagarela, serelepe, bailarina. Hoje corre, sapateia, chora, dá nó na garganta, silencia, um tanto de ginástica olímpica e malabarismo.
A gente morre um pouco quando perde as estribeiras, o gol da vitória, o emprego dos sonhos, o caminho de casa.
Morre quando enterra o amor de toda uma vida, a esperança de mudança, a alegria de viver. Réquiem de Mozart em ré menor.
Morre de susto, de medo, de amor, de fome, de sede. Um copo d´água, por favor.
Morre de rir, de sentir, de sofrer, de partir. Bota-fora de si.
Morre um tanto imenso, profundamente doloroso e denso, quando alguém querido se vai pra nunca mais voltar.
E aí vem a vida e nos convoca a continuar, apesar de. Chama a ambulância, grita por socorro, faz massagem cardiorrespiratória, convoca os anjos para uma reunião extraordinária. Ária para orquestra, Johann Sebastian Bach. Música para alimentar a alma, já tão desnutrida.
A gente também nasce um pouco cada dia, e esse pouco pode se transformar em muito. O coração para e volta a bater, adormece pra depois acordar, tira folga pra depois trabalhar.
Num impulso de vida, de volta pra lida, se enche de oxigênio, sol, esperança, afeto, certeza, infância.
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