Ele cresceu mas continuou com medo de escuro.
Onde se lê “escuro” leia-se exame de rua, homossexualidade velada, entrevista de emprego, hipocondria.
E assim ele cresceu, enxergando monstros na maçaneta e fantasmas disfarçados de cortina.
Faz sol lá fora mas dentro dele neva. Berra.
Céu frio, nublado, concerto fúnebre, auge da hipotermia.
Tantos convites, coloridos cenários, dentro dele goteira: um fio de coragem desbotada.
Se ao menos pudesse voar. Visitar um outro planeta.
Se ao menos pudesse sonhar. Sonhar sem ter que acordar.
Se ao menos pudesse fazer contas de mais. Somar ao invés de subtrair sempre e tanto.
Se ao menos pudesse fazer de conta. (Conta pra ele que o mundo não é esse muro cinza que ele acreditou que fosse.)
Se ao menos pudesse ser ele mesmo. Nome, sobrenome, endereço, RG, uma paixão, um hobbie, uma identidade. Saudade?
Ele cresceu mas ainda não aposentou o menino que foi um dia nem o velho que certamente virá ao seu encontro.
Ele cresceu doído, incompreendido, versos fora de ordem, estranhamente fora de órbita.
Cancelou a agenda, fechou a janela, fez greve de si.
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