Cenário: uma sanduicheria no litoral capixaba no primeiro dia do ano.
Personagens: pai, mãe e uma filha de aproximadamente cinco anos.
Drama: filha chorando, mãe quase chorando, pai calado.
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Em uma mesa um pouco atrás, entre ketchups, batatas palha e risos de família, fui tendo a minha atenção desviada para aquela cena. Do jeito que a criança chorava e do jeito que a mãe ia ficando comovida, ao mesmo tempo em que tentava conversar com ela e enxugar suas lágrimas, fiquei pensando no que poderia ter acontecido. “Deve ter morrido um avô”, pensei. Só mesmo uma dor desse tamanho para fazer mãe e filha chorarem no primeiro dia do ano, em plenas férias, numa sanduicheria na beira da praia.
Engano meu. Parei o sanduíche no meio da mordida quando vi, com a ajuda do meu sobrinho Matheus, o que na verdade estava acontecendo. A mãe estava brigando com o pai na frente da filha, carregando com raiva e tristeza cada palavra:
“- Não, eu não disse pra ela que você não presta. Mas como é que eu vou confiar em você? Como é que eu vou confiar em você, me fala?”
Como um CD arranhado, a mulher repetia essa frase a cada cinco minutos, buscando na filha um escudo, um álibi, uma salvação.
A vontade que eu tive foi colocar a menina no colo e trocar o sanduíche por um sorvete. Três bolas, de preferência, que é pra distrair bastante e esfriar aquela cabecinha tão pequena e já cheia de problemas que ela não pediu pra viver.
Criança não deve se meter em assunto de adulto, tá certo. E assunto de adulto se resolve (ou pelo menos deveria se resolver) assim: no privado, entre quatro paredes, limitado à compreensão (ou incompreensão, dependendo do caso) de quem já é bem crescidinho.
Fico imaginando como é que desceu aquele sanduíche, depois de tanta mágoa entalada.
Fico pensando nos registros emocionais dessa menina ao testemunhar e participar de um momento tão pouco nutritivo e saudável.
Volto ao meu cheeseburger, ao meu “problema” de não deixar escapar o milho com o alface e as batata palha.
Lembro, enfim, que estou de férias.
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