Renata Feldman

Renata Feldman

Psicóloga e Escritora

Palavras abraçam. Aproximam. Acolhem. Fazem do silêncio ponte, do coração tradução, da dor um caminho.

Renata Feldman faz das palavras matéria-prima. Seu trabalho é feito de escuta, acolhida, interação, escrita.

Seja no refúgio da psicologia clínica, nos livros publicados ou posts aqui do blog, palavra é preciosidade.

Entre, aconchegue-se e fique à vontade. É uma alegria dividir este espaço com você.

Flor decorativa
Filhos

Dor de filho

29 May, 2022

Esse texto seria para o Dia das Mães, mas a mãe que o escreve chegou atrasada por aqui. O rascunho guardado na gaveta deu o ar da graça hoje, lembrando que alguns assuntos prescindem de datas comemorativas. São atemporais.

Filhos não vêm com manual, você certamente já ouviu esse clichê. Mães também não. É na prática que elas vão aprendendo a dar o peito, curar o umbigo, dar a raça, reconhecer o choro de fome, fralda, frio, dor.

Ah, a dor. De barriga, ouvido, dente, escola, tombo, luto. Dor de negociar a chupeta com o Coelhinho da Páscoa, de ouvir que a avó virou estrela, de lidar com a ausência do amigo que mudou de escola. Dor de crescimento, não detectada no raio-x do ortopedista.

E aí eles crescem, vão ficando fortes e autônomos, como deve ser. Mas não imunes a algumas dores que se infiltram no coração como água de chuva abrindo trincas na parede.

Barbra Streisand, em sua canção “If I could” (Se eu pudesse), traz alguns versos que aludem à dor de ver um filho sofrer: “Se eu pudesse, te protegeria da tristeza em seus olhos. Te daria coragem em um mundo de compromissos. Sim, eu o faria. Se eu pudesse. Te ensinaria todas as coisas que nunca aprendi. E te ajudaria a atravessar as pontes que queimei. Tentaria proteger sua inocência do tempo. Mas a porção de vida que eu te dei não é minha. Te vi crescer, então poderia te deixar ir. Se eu pudesse te ajudaria a superar os anos difíceis. Mas sei que nunca poderei chorar em seu lugar. Mas eu o faria. Se eu pudesse.”

Quantas mães não se juntariam para entoar esse canto? Hino de amor e pranto. Empatia doída que ao mesmo tempo esbarra na impossibilidade de uma ação prática, concreta. Nem remédio, bolsa de água quente, mertiolate ou antibiótico. Pretérito imperfeito do subjuntivo, o “se eu pudesse”. Dor de filho lateja nas quinas do coração. Ai. Como dói.

As noites em claro dos primeiros anos tomam outra configuração a certa altura da vida. No silêncio da casa, o abajur aceso dá conta de outras demandas. Ilumina o percalço dos dias, abençoando os caminhos difíceis. Mãe tem o poder da bênção, essa é outra canção linda que a gente pode entoar. Ao lado da dor mora também o amor, em quartos conjugados.

O que machuca também ensina, direciona, faz crescer. Filhos precisam voar, mesmo que de asas quebradas. Até alcançarem o sol, depois de tantos dias nublados. Esse é o melhor presente que uma mãe pode ganhar, independente do dia: felicidade de filho.

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