Família

Despatriados

18 May, 2017

O primeiro whatsapp do dia veio do meu pai, às cinco e quarenta da manhã. Junto do carinhoso bom dia de sempre, uma foto linda do meu avô, pai dele, que hoje faria 111 anos.

Como esquecer, pai?

Dia 18 de maio é dia do olhar terno, da barba sempre feita, do perfume inconfundível, da paz contagiante, do jeito encantador de me chamar de Renatinha, repetidas vezes, como se o meu nome fosse música pra ele.

Dia 18 de maio é dia de lembrar do homem que aos 15 anos de idade pegou um navio na Rússia, sozinho, cruzou o oceano e veio descobrir um Brasil cheio de paz e esperança. Homem de bem, batalhador, que começou a vida vendendo rolos de tecido de porta em porta e foi abrindo janelas de realização pela vida afora. Abraçou com afinco o trabalho, pediu em casamento uma das mulheres mais doces e cheias de bondade que esse mundo já viu, virou pai, avô, bisavô, e aqui estou para continuar a história, atravessada pelo amor que veio de lá, dessas raízes que florescem um tanto de grandeza em mim.

Nunca vou me esquecer dos últimos anos de vida do S. Jayme. Já tão velhinho, escutando pouco, respirando mal, ainda assim acordava cedo, tomava banho, fazia a barba e ia para o escritório, junto do meu pai. Ali passava a manhã “derramando” o jornal sobre a mesa e lendo notícia por notícia, manchete por manchete, até manchar as mãos de tinta. Qualquer assunto ele era capaz de debater: política, economia, música, futebol. Impressionante como suas antenas captavam o mundo. Vez por outra levantava a sobrancelha como se indagasse: “Onde é que esse país vai parar?”

Esse país parou, vô. Estancou na vergonha (ou na profunda falta dela), na tristeza, no lamento, na ausência de tantas coisas que são essenciais a um país. Nosso hino desafinou, nosso solo secou, cadê “o sol brilhando no céu da pátria nesse instante”? A sensação é de luto, orfandade, parece que fomos todos despatriados. Você se foi e parece que o nosso Brasil também.

Tenho a convicção de que ir trabalhar cedo todos os dias te deixou lúcido. Te deixou vivo por 92 anos, sorte nossa.  Mas se você tivesse acordado aqui hoje,  sentiria uma enorme tristeza ao abrir o jornal. Haja estômago, pulmão, coração, pra dar conta de tanta notícia ruim. É de fazer qualquer um perder a lucidez. A esperança então, nem sei.

Vou aproveitar seu aniversário, seu 18 de maio tão cheio de emoção e saudade, pra fazer um pedido, quase um apelo: junta seus anjos, sua luz, sua força e sopra, além das 111 velas, boas energias aqui pra gente. Estamos precisando.

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