Eu nunca imaginei que um atraso seria tão importante. Logo eu que sempre fui ligada às horas, minutos, segundos, uma lealdade ao relógio que deve ter vinda do meu avô. (Sempre que chegava a um compromisso – seja uma visita, uma consulta, um concerto de piano – o pai da minha mãe tinha por hábito enfiar a mão no bolso, pegar o seu relógio redondo e conferir as horas. Pontualidade britânica desse brasileiro nascido em Israel.)
Aquele atraso mudou para sempre a minha vida. Interrompeu um ciclo, inaugurou outro, me ensinou a paciência da espera. Amorosamente fui regando o tempo, preparando o ninho, colhendo os frutos. Nove meses depois lá estava ele, choro de rebento e cara de homenzinho, saindo de dentro de mim para nunca mais sair, me fitando com uns olhos que eu jamais vou esquecer. Parecia que nos conhecíamos há muito tempo. E quanto mais o tempo passa, mais me encanto por ele.
Quase cinco anos depois um novo atraso, “atrasadíssimo” por sinal. Muita ansiedade, nove exames negativos ao longo de um ano e meio e a máxima que aprendi com a minha médica, depois de todo um planejamento frustrado: “Quer fazer Deus rir? Mostre seus planos a Ele…”
Valeu a pena esperar. Valeu deixar a poeira da ansiedade baixar. (É ela que estava indo lá na hipófise e bloqueando a ovulação, fui estudar o caso.) Pedi altas, dei um tempo, resolvi tentar o mestrado. Foi quando Deus sorriu pra mim e me presenteou com o segundo atraso mais lindo da minha vida. Do beta hcg enfim positivo ao primeiro instante que a carreguei no colo, foi uma emoção sem explicação. Não dá para descrever. Rostinho rosado, cabelo arrepiado, uma braveza quando a fome quebrava o silêncio da madrugada. E assim ela entrou na minha vida para nunca mais sair, presente precioso que eu pelejei pra ganhar.
O tempo corre, o relógio aponta as horas, a vida vai gerando novos ciclos. A cada segundo de maio, o calendário vem pontualmente oficializar esse ofício marcado pela emoção. Volto no tempo e carrego meus filhos no colo, viro mãe pra sempre, deixo aqui registrada minha declaração de amor. Olho pra frente e me vejo neles, mistura de mãe e pai e uma porção de raízes, continuidade rimando com felicidade.
Ser mãe é continuar dando à luz através deles – seus caminhos, suas escolhas, sua maneira de se conduzir por esse mundo afora. Não é fácil, dá trabalho, mas dá um sentido imenso pra vida da gente. É muito, muito amor envolvido.
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