Minha vó morreu quando eu tinha quatro anos. Cresci sem entender a ausência daquela que enchia a minha vida de luz, presença e rima.
Para a idade que tinha, me lembro de muita coisa: do chinelo azul cinco números maior, com que eu desfilava pela casa inteira; do quintal florido de hibiscos; das sextas-feiras em que ia dormir lá e ela deixava o meu avô para adormecer comigo – ela na cama e eu na bicama. (Até que um dia acordei e a cama estava vazia – ela havia ido ao médico para tratar do câncer e eu, como que num pressentimento ruim, tive uma crise de choro que ninguém soube explicar.)
Não me esqueço das vezes em que a vovó Bella vinha me buscar no seu fusquinha azul e me levava para passear no velho e bom Mercado Distrital. Sentada no carrinho de compras, os pés balançando, me sentia na Disney quando ganhava o já tradicional pirulito alaranjado, feito de puro açúcar. Também me lembro com nostalgia do bombom Alpino, que lambia até derreter.
Dizem que dela herdei muitas coisas – o sorriso, o olhar, a paixão pelo piano, a compostura. Mas a mais preciosa herança de todas foi a filha dela, minha mãe, que neste exato momento encontra-se com o meu filho em plenas Serras Gaúchas, comendo fondue de chocolate e fazendo a maior farra num friozinho de sete graus.
Apaixonada que é por viajar, vovó Clara já levou o Léo pra Diamantina, Patagônia, Serra do Caraça e agora Gramado, tchê!.. Apenas os dois, companheirinhos de quarto, céu e estrada, numa sintonia que só pode ser de outras vidas.
E quando a mãe aqui liga pra matar saudade, ele é prático e objetivo, não tem tempo a perder:
– Oi, mãe, um beijo, tchau!
Se eu, que já rodei o Mercado Distrital e não troco essa experiência por nada deste mundo, imagina o Léo, perito que está ficando no assunto. (Ai dele se esquecer meu chocolate.)
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