Minha mãe nunca me ensinou a cozinhar. Psicóloga de mão cheia (minha mestra, minha luz, minha guia), saía cedo de casa para ouvir problemas e traduzir sofrimento em palavras. Sua maior especialidade? Afeto, emoção, cuidado, ternura, muitos beijos e abraços, ingredientes que nunca poderiam faltar. Ah, e sempre conectada ao lado prático da vida, quanto mais praticidade melhor.
Quando me casei, foi a ela que recorri para preparar um “jantarzinho especial” pro meu marido:
– Mãe, estou pensando em fazer um cachorro quente pro Dé, ele ama. Como é que eu faço o molho?
– Ah, filha, será que não é melhor pegar um já pronto na carrocinha? Leva um tupperware.
E foi com essa mesma praticidade que ela me ensinou a andar de ônibus para ir ao inglês, me lembro como se fosse ontem. “Do alto” dos meus nove anos, subi num azulzinho e fiquei olhando pela janela a minha mãe me acompanhar de carro, pareada com o ônibus, sorrindo e dando vários tchauzinhos pra mim. Dei o sinal para descer me sentindo a pessoa mais bem-resolvida da face da terra, alcancei a Praça Tiradentes e lá estava ela, me esperando com o melhor abraço do mundo. E lá fomos nós aprender o caminho de volta. Ela de carro, eu sacolejando no 2001, céu já escuro, hora do rush. Acabei passando do ponto e não vi mais o carro dela, o coração quase pulou. Desci assustada e quem estava lá, piscando o farol, sorrindo um riso tranquilo, desses que falam “Está tudo bem, querida. Estou aqui.”?
Ah, mãe, você sempre esteve lá. Sempre esteve aqui. Me ensinando a virar gente; a ser gente; a amar gente. Me ensinando a sonhar, a viver, a acreditar.
Com você aprendi a amar as palavras, a escuta, a música, os livros, a estrada, o céu, o mapa-múndi. Aprendi que o amor é a coisa mais importante do mundo. Que família é pertencimento, aconchego, raiz. Que é preciso ter compaixão, dignidade, autoestima. Que o trabalho dá um sentido todo especial à nossa existência. Que a felicidade existe, e está nas coisas pequenas da vida.
Com você aprendi a agradecer, a merecer, a ser eu mesma. Aprendi a alegria que é estar sozinha em nossa própria companhia. Aprendi que algumas coisas são como são, e apenas são, ponto final. Aprendi que pra tudo tem um jeito, nada de se afobar. Aprendi que é possível transformar dor em amor, angústia em serenidade, torcida em realização, filha em mãe. Ah, como sou grata por tanta transformação. Inclusive a do leite condensado que, junto do Nescau e algumas pelotas de manteiga (pra não agarrar) se transforma no melhor brigadeiro do mundo. (Quem é que disse que você não me ensinou a cozinhar?)
Obrigada, mãe. Feliz Dia que é tão seu. Todos os dias, a cada segundo domingo de maio, e sempre. Amo você.
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