
Sim, a maternidade pode não ser nada cor-de-rosa. Nada de “bebê Johnson”, mãe coruja, nada de paraíso. Muito de padecer. Despedaçar-se. Nada de flores. Tudo de dores. Muitas. As mais diversas. As mais profundas.
Vi um pouco disso no meu mestrado, quando fui pesquisar “As várias faces da mãe contemporânea”. Vi um muito disso no belíssimo filme “A filha perdida”, adaptado do livro de Elena Ferrante.
As várias faces da mãe contemporânea? Culpa, dedicação, esgotamento, normas a serem seguidas, transformações a serem vividas, conflitos e ambivalências. Muitas ambivalências. “Maternidade é a melhor coisa do mundo. E a mais difícil também”, palavras de uma das minhas entrevistadas.
“A filha perdida”? Ou seria “a mãe perdida”? Perdida, confusa, sufocada, aprisionada, impaciente, exaurida, tensa, irritada, enlouquecida, angustiada, fragmentada, mergulhada no seu mais profundo desespero. Ela ama, ela odeia, ela clama por liberdade. Ela abandona as duas filhas.
Restou-lhe brincar de boneca, talvez. Cuidar de boneca é mais fácil que cuidar de filho. Restou-lhe brincar ou brigar com as suas memórias. Reconciliar-se com elas, talvez.
Das telas para a realidade, dois lados. Como tudo na vida.
Refugiadas entre as quatro paredes do meu consultório, ouço mães que choram. Que falam. Que engasgam, emudecem, enternecem de amor por seus filhos. Que abrem sorrisos largos. Que gritam a sua dor. Que tecem a maternidade com poesia. Alegria. Lamento. Dor. Dissabor. Que buscam apenas se encontrar, perdidas que estão.
Sua vida daria um filme.
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