Muitas coisas são simples de terminar: aquele bolo cheiroso que acabou de sair do forno, só esperando pela calda de chocolate; aquele relatório parado na gaveta há algum tempo; aquela arrumação que você prometeu fazer desde o ano passado; aquela música que ficou faltando um pedaço; aquele curso pendente, urgente, que ficou agarrado por causa de um ponto; aquele papo-cabeça que um imprevisto qualquer não deixou descer pro coração.
Sobe o nível de complexidade. Vínculo. Hábito. Amor. Desencontro. Desânimo, preguiça, desamor.
Como é difícil, doído, colocar um ponto final naquela história que começou sem nenhum rabisco e agora precisa de um curso de caligrafia para se fazer entender. Terminar o namoro, romper a relação, dar um tempo, pedir a separação. Gosto amargo que esse assunto tem. Fim de linha, não te amo mais, adeus, foi bom enquanto durou, acabou. The end.
Tenho visto algumas pessoas se queixarem do amor. “Destemperou, esfriou, perdeu o sal.” Foi mal. “Ao invés de alegria, dor de cabeça, insônia, distância. Não tenho mais esperança”. “Perdemos a liga, o timing, o encanto.” Pranto. Paradoxalmente, muitas vezes a queixa não precede o fim: se perde em si mesma, atônita e catatônica, sem energia para seguir adiante. Dá-se voltas no mesmo lugar, dois passos pra frente e vinte para trás.
Num desses momentos de paralisia, talvez se descubra a força que o amor tem de se colocar em movimento, resgatando o que parece ter sido perdido. E aí o tempo é de conversa, redescoberta, reforma: muito barulho, pó, poeira, desconforto e trabalheira para se chegar, enfim, a uma casa mais bonita, sem goteiras e infiltrações, com rede pra descansar a alma na varanda.
No entanto, talvez a fraqueza se confirme, ainda não tão firme, mas certa do fim. Entre a decisão e o ponto final, a angústia de dizer não e se despedir. Mesmo com a certeza de que o melhor caminho é terminar, muitas pessoas ficam agarradas a uma relação árida e estéril, que há muito já não dá flor. Ou porque não querem magoar o outro; ou porque têm medo de ficarem sozinhas. Ou porque não concebem a ideia de renunciar ao tanto de amor que vem do lado de lá: “Ele diz que sou tudo pra ele, que faz tudo pra me ver feliz… Como posso jogar esse amor fora?”
Interrogação, reticências, vírgulas, ponto final. Como você anda pontuando sua relação com o amor?
Suely says
Eu me enxerguei no seu texto.!
Tive momentos de paralisia…
Consegui fazer o resgate.!
Lindo texto!
Renata Feldman says
E é assim que o amor floresce de novo, Suely, cheio de força e com uma beleza que faz tudo valer a pena.
Fico feliz por você, minha querida!
Abraço carinhoso!
Paula says
Vc como sempre, deixando claro o que o silêncio cala quando escuro.
Eu te escuto
E me aquieto
Renata Feldman says
As palavras têm essa capacidade, Paula. Soam como música para o coração.
Abraço carinhoso, querida.
Fátima says
Renata esse texto é um retrato meu…não tem imagens mas descreve tudo q sinto e como é difícil colocar o ponto final, principalmente qdo o outro não aceita separar. Haja auto-estima!!! e vc me
ensinando a voar. Bjão querida!
Renata Feldman says
Fátima querida,
A autoestima cria asas e ensaia os vôos mais lindos, mesmo que algumas vezes elas se quebrem no caminho…
Tudo tem seu tempo, minha querida. Seu retrato é bonito, do jeito que é. Olhar pra ele e se enxergar já é uma maneira de pensar, refletir, mudar.
Abraço carinhoso!