– “Hoje foi duro levantar da cama.”
– “Cama, mesa e banho.”
– “Tudo bem?”
– “Zen. Ando meditando.”
– “Uma falta de assunto danado.”
– “Tô correndo atrás.”
– “Ganhou uma rasteira.”
– “Ri da minha barriga doer.”
– “Quando é que vai nascer?”
Parece conversa de doido mas é uma pista de cooper. Diálogos entrecortados, cruzados, arfantes, logo que a vida diz bom dia.
Casais caminhando colados, de mãos dadas. Vizinhos ofegantes. Pai e filha. Bengala e sorriso. Namorados. Futuros amantes. Amigas, irmãs, tias. Cachorros e seus donos. Gente andando só, em busca de sol, esse antidepressivo sem igual.
Antes de ir pro batente coloco o coração para trabalhar. Rápido, acelerado, 150 batimentos por minuto. Passeio os olhos pelo relógio, seleciono a trilha que me faz voar (sem música empaco), inspiro neblina, acordo a endorfina, torno-me espectadora andante do dia que entorna vida.
Talvez por força do hábito me pego em posição de escuta. Ossos do ofício. Pesco palavras, risos, cada passo uma sílaba entremeada. Conversas triviais, pequenos desabafos, fragmentos do cotidiano, a quantas anda (ou desanda) a política. E vai ter gol no futebol, beijo na novela, falta d´água, macarronada pra mais tarde com amêndoas e molho pesto. Haja calorias pra queimar.
Mas o que mais me chama atenção é o monólogo silencioso daqueles que andam sozinhos, cada qual com uma expressão reveladora dos sentimentos que correm do lado de dentro. Paixão, braveza, alegria, leveza, amargura, determinação, tristeza.
Se fosse um filme seria “Short Cuts”. Se eu fosse colocar legenda, inspiração não faltaria. Quase leio os pensamentos:
– “Acho que finalmente encontrei o homem da minha vida.”
– ” Não sei mais o que fazer para colocar limite nesse menino.”
– “Férias pra que te quero!”
– “E se eu for mandado embora?”
– “Hoje vai rolar um cineminha.”
– “Obrigada, meu Deus, por estar vivo.”
– “Preciso perder dez quilos.”
– “Às quatro sai o resultado da mamografia.”
– “Vou fazer dar certo.”
– “O casamento acabou.”
Alegria tem pés e tristeza também, o asfalto é que o diga.
Ainda não estou no consultório mas já me sintonizo com os sentimentos e emoções que fazem travessia no interior da gente.
Problemas nos paralisam, é certo. Mas também caminham, e caminhando se transformam.
Que você possa estreitar diálogos lindos com você mesmo(a) neste dia que se inicia.
Cidinha Ribeiro says
Oi, Renata,
ainda bem que passei por aqui. Que delicadeza de crônica! Sua leveza continua depois que a escrita termina. Amei, muito linda mesmo. Bjs.
Renata Feldman says
Cidinha querida,
Minha caminhada fica mais bonita com a delicadeza que também vem do seu olhar.
Caminhemos juntas!
Abraço carinhoso!
Edgard Silvério says
Interessante sua crônica, Renata. Em especial o trecho em que você fala: “Problemas nos paralisam, é certo. Mas também caminham, e caminhando se transformam.É preciso estar atento a esse caminho. Esses dias observei uma linda borboleta e pensei o quanto “doloroso” deve ter sido sua trajetória: de lagarta rastejante e “ojerizada” por muitos, ao processo no casulo para a linda borboleta que apreciei.
Eis o desafio de nós, seres pensantes e racionais de não paralisar a vida achando que seremos eternas lagartas, mas sim que vivemos um importante casulo para nossa TRANSFORMAÇÃO.
Fique com Deus.
Obrigado pelos lindos textos.
Beijos
Renata Feldman says
Isso mesmo, Edgard. Temos a tendência de achar que os nossos problemas ficarão congelados, “encasulados”, paralisando nossos passos.
E aí vêm as borboletas para nos mostrar justamente o contrário: a beleza que reside em transformar, voar, encher de luz o céu, nos erguer do chão.
Muito obrigada pelo lindo comentário!
Abração!
Adriana says
Renata, também achei bonito o comentário dele e me identifiquei com essa situação dolorosa de virar uma “borboleta”. Mais ainda sua resposta me tocou… Como eu luto para descongelar meus problemas. Bj Adriana
Renata Feldman says
Sua luta é nobre, Adriana. Especiais são as borboletas que descobrem a beleza das asas depois de romper com a difícil e dolorosa travessia do casulo.
Já te vejo voando, minha querida!…
Abraço carinhoso