Teatro lotado. Silêncio instaurado. Músicos a postos.
No programa, Trio em si bemol maior, op. 11, de Ludwig van Beethoven. No palco, um violoncelista, um clarinetista e uma pianista de aproximadamente cinco anos de idade emocionavam o público com o seu talento.
Eu disse cinco anos, mas é brincadeira. (E num sentido quase literal, você vai entender logo adiante.) O consagrado violoncelista Antônio Meneses acaba de completar 65 anos, e veio justamente celebrar a data no Brasil. (Quem ganhou o presente fomos nós, com esse Oitavo Festival de Maio intitulado “Antônio Meneses & Amigos”, primorosamente dirigido por Celina Szrvinsk e Miguel Rosselini.) O clarinetista Iura de Rezende e a pianista Elisa Galeano são casados, gente grande faz tempo, reconhecidíssimos também pelo seu trabalho.
E por que eu fui brincar com a idade desses gigantes da música? Porque foi isso o que eu vi na expressão deles: espontaneidade, empolgação, encantamento, leveza, “distração”, êxtase, alegria; uma concentração absoluta e lúdica de quem está fazendo algo muito importante, e nem vê o tempo passar; nem ouve a mãe chamar; nem se dá conta de que são apenas “três crianças”, cada qual com seu brinquedo favorito, juntas em um mesmo quarto, felizes por uma eternidade. (Dizem os especialistas que isso se chama felicidade.) Pois lá estavam eles, completamente imersos, o semblante cheio de graça; como se estivessem montando lego, allegro e adagio, na mais perfeita sintonia. Amigos, não foi esse o tema do festival?
E foi ali, naquele concerto de encher a alma, que eu também acordei a minha criança. E ela chorou de emoção com a peça Nina, de Francisca Aquino, lindamente tocada por Meneses ao lado da filha da compositora, Janaína Salles (para quem a mãe dedicou a música), e da brilhante pianista Rosiane Lemos, por quem tenho um carinho e admiração especial. (Ela pisa no palco e ilumina tudo com o sol que nasce dentro dela, mesmo já sendo noite.)
A primeira peça, também de Beethoven, infelizmente não consegui ver. A gente grande que vive em mim saiu direto do trabalho, pegou um trânsito pesado e teve que esperar a hora certa de entrar. (Eu e meu marido ficamos de castigo lá fora, misto de frustração e ansiedade, até os aplausos anunciarem que poderíamos finalmente adentrar o recinto e também fazer parte da festa.)
Ah, isso deve mesmo se chamar felicidade. Feliz de quem cresce sem deixar morrer a criança que foi um dia. Feliz de quem vira gente grande e continua a brincar de amar o que faz, tocando as pessoas por esse mundo afora. Pra mim faz todo o sentido. E pra você?
Tem colocado sua criança para brincar?
Cristina Pires de Souza says
Concordo com você, quando estamos com nosso brinquedo favorito esquecemos de tudo ……..!
Que possamos estimular as pessoas a resgatarem suas crianças e dessa forma fazerem desse mundo um lindo e maravilhoso lugar de trocas .
Renata Feldman says
Resgate precioso, Cristina. Que possamos sempre nos lembrar disso.
Abraço carinhoso!