Algumas pessoas costumam estranhar. “Duas portas?” Sim, e com revestimento acústico, para que nada que se fale aqui dentro seja ouvido lá fora. Nem por uma mosca, costumo dizer.
Sim, segredo é sagrado. Basta uma pequena mudança de vogal para expressar a dimensão que é se assentar diante de alguém e escutar o que o seu coração, tantas vezes espremido e abarrotado, traz. Seja o passado, o presente, o futuro tão cheio de incertezas. Seja a dor, o amor, a culpa, o medo, a tristeza, o desespero, o dissabor. Seja não saber ainda quem se é, ou o que se quer. Seja simplesmente olhar para o chão e chorar, sem nada precisar dizer.
É nessa sala cheia de almofadas, segredos, flores, livros e potes de sentimentos na estante que transformações profundas começam a se processar, muitas vezes de forma silenciosa e imperceptível.
De uma semana a outra, não é raro que eu escute:
– Você falou uma coisa na sessão anterior que não saiu da minha cabeça…
– Você acha que eu vou dar conta? Que eu posso mesmo ter esperança?
– Tive um insight. Daqueles!…
– Ainda não estou vendo mudanças… Eu queria tanto que as coisas acontecessem mais depressa… Que um milagre acontecesse.
– Aqui fica tudo claro pra mim, simples de entender… mas na hora de colocar em prática é tão difícil…
Terapia é um processo fluido. É dia e noite, um dia de cada vez, tempestade e calmaria, rio a desaguar no mar. É encontro consigo mesmo. É descobrir aos poucos quem você é. É se implicar com as suas questões mais internas, mais escondidas, para lidar melhor com as questões que a vida te convida a viver: relacionamentos, conflitos, buscas, vazios, interrogações, abismos, encontros e desencontros.
Da porta pra dentro, refúgio. Janelas abertas para o sol entrar. Da sala pra fora, trabalho. Trabalho árduo, mãos à obra, é da porta pra fora que a terapia realmente começa.
Clara Feldman says
Boa noite, Dra Renata. Depois de ler seu texto e ver a foto da sua sala, me deu uma vontade imensa de ir lá conversar com a senhora. Estou na dúvida de onde vou querer me assentar: na poltrona preta? No sofá? Acho que no divã quero não. Quero me lembrar da sua infância e te perguntar por que você ia à casa da vizinha pedir danoninho. Lá em casa não tinha não? Quero me lembrar da sua adolescência e reler, em voz alta, aquele seu poema que ganhou o primeiro lugar no concurso. E te perguntar em que exato momento você descobriu que o André era o amor da sua vida. E lembrar os dois dias mágicos em que você se tornou mãe e eu, avó. Podemos marcar? Um abraço apertado na doutora. Sua mae
Renata Feldman says
Tá marcado, marcadíssimo. 🙂
Café ou cappuccino? E o abraço mais quentinho e cheio de emoção que essa sala já testemunhou um dia.
Foi com você que aprendi tudo o que sei, mãe. Foi em você que vi os olhos brilharem cada vez que chegava em casa do consultório, depois de um dia cheinho de trabalho.
Obrigada por ter me ensinado (e ainda me ensinar, me guiar) tanto.
Amo você. ❤️