Esse texto seria para o Dia das Mães, mas a mãe que o escreve chegou atrasada por aqui. O rascunho guardado na gaveta deu o ar da graça hoje, lembrando que alguns assuntos prescindem de datas comemorativas. São atemporais.
Filhos não vêm com manual, você certamente já ouviu esse clichê. Mães também não. É na prática que elas vão aprendendo a dar o peito, curar o umbigo, dar a raça, reconhecer o choro de fome, fralda, frio, dor.
Ah, a dor. De barriga, ouvido, dente, escola, tombo, luto. Dor de negociar a chupeta com o Coelhinho da Páscoa, de ouvir que a avó virou estrela, de lidar com a ausência do amigo que mudou de escola. Dor de crescimento, não detectada no raio-x do ortopedista.
E aí eles crescem, vão ficando fortes e autônomos, como deve ser. Mas não imunes a algumas dores que se infiltram no coração como água de chuva abrindo trincas na parede.
Barbra Streisand, em sua canção “If I could” (Se eu pudesse), traz alguns versos que aludem à dor de ver um filho sofrer: “Se eu pudesse, te protegeria da tristeza em seus olhos. Te daria coragem em um mundo de compromissos. Sim, eu o faria. Se eu pudesse. Te ensinaria todas as coisas que nunca aprendi. E te ajudaria a atravessar as pontes que queimei. Tentaria proteger sua inocência do tempo. Mas a porção de vida que eu te dei não é minha. Te vi crescer, então poderia te deixar ir. Se eu pudesse te ajudaria a superar os anos difíceis. Mas sei que nunca poderei chorar em seu lugar. Mas eu o faria. Se eu pudesse.”
Quantas mães não se juntariam para entoar esse canto? Hino de amor e pranto. Empatia doída que ao mesmo tempo esbarra na impossibilidade de uma ação prática, concreta. Nem remédio, bolsa de água quente, mertiolate ou antibiótico. Pretérito imperfeito do subjuntivo, o “se eu pudesse”. Dor de filho lateja nas quinas do coração. Ai. Como dói.
As noites em claro dos primeiros anos tomam outra configuração a certa altura da vida. No silêncio da casa, o abajur aceso dá conta de outras demandas. Ilumina o percalço dos dias, abençoando os caminhos difíceis. Mãe tem o poder da bênção, essa é outra canção linda que a gente pode entoar. Ao lado da dor mora também o amor, em quartos conjugados.
O que machuca também ensina, direciona, faz crescer. Filhos precisam voar, mesmo que de asas quebradas. Até alcançarem o sol, depois de tantos dias nublados. Esse é o melhor presente que uma mãe pode ganhar, independente do dia: felicidade de filho.
Clara Feldman says
Ai ai ai, como dói ler esse texto lindo, filha. “Filhos precisam voar, mesmo de asas quebradas.” Mas até as asas se curarem, como dói o coração da mãe…e o da avó também, você sabe. Dor dupla, em dose dupla. Até que, com as asas recompostas, possamos ver o voo pleno, outra vez.
Renata Feldman says
Ai, mãe. Essas três letrinhas são remédio pra dor. Dor dupla mesmo. Mas que acaba sendo subtraída quando é sentida junto.
Cidinha Ribeiro says
Meiguice, garra, ansiedade, doação, entrega, empatia, solidariedade…
Quantos substantivos brotariam dessa crônica, se ela fosse lida apenas como literatura!
Há muito mais nessas linhas escritas. Existem nelas um amor infinito e uma mulher delicada.
Belo, Renata! E doce.
Beijos, querida.
Renata Feldman says
Ah, Cidinha!…
Você captou bem: um amor infinito nessas linhas e entrelinhas.
Que presente precioso ler cada palavra sua.
Muito obrigada, querida!
Abraço cheio de afeto.
Angela Belisario says
Olá, falou tudo, só que aqui ainda tem a ausência dos netos, aquela saudade que só é aliviada quando vê aquele rostinho sorrindo e chamando por vovó.
Ai ai ❤️❤️❤️
Beijos
Renata Feldman says
Ai ai mesmo, Angela. Tenho ouvido no consultório, o tanto que saudade de vó doi.
Amor com açúcar, dor de sal-dade.
Beijos, minha querida.
Cristina Pires de Souza says
Lindo!!
Renata Feldman says
🌹