Há um tempo que não volta. O tempo do ontem, das memórias guardadas, das palavras não ditas, do beijo interrompido. O tempo do talvez que ficou perdido na própria indagação, das perguntas sem resposta, da labuta vivida, dos registros mais lindos.
Na sala de TV, desviando o meu olhar das quase sempre má notícias, um porta-retrato digital rouba a cena. E ali, naquele álbum vivo, cheio de cores e movimento, vejo resvalar o tempo. Por um instante desço no toboágua com o meu filho, carrego a minha filha no colo, esquento a mamadeira, deixo os dois com a avó e vou namorar em Paris, logo ali. Por um instante sou outono, primavera, semblante sério, rugas de tanto rir. Sou dona de cachorro, sou noiva jogando o buquê, sou dona do meu nariz. Quantos minutos, segundos, quantos calendários já passaram por mim?
Nessa hora já nem escuto o noticiário, apenas me vejo em retrospectiva pelo vidro daquele porta-retrato pós-moderno, “na minha época” eles eram estáticos e de madeira. E nesse tempo que não volta (será que não volta?) sou casa nova, ponte, construção, abraço de pai, bênção de mãe, paz e cantoria, pausa e travessia. Sou dez, vinte anos atrás, sou pôr do sol se pondo em mim.
Há um tempo que fica. Pra sempre. Ad aeternum o afeto desvelado, as coisas verdadeiras, o amor cultivado por mãos de jardineiros.
Heloiza says
Lindas palavras! Tocaram-me profundamente. Grata! 🙏🏻
Renata Feldman says
Quem fica tocada agora sou eu, Heloiza. Muito obrigada!
Andre says
nosso tempo.
Renata Feldman says
Sim, nosso. Acompanhado do tempo (tanto tempo!…), esse pronome mais lindo.
Cesar Vieira says
Parabéns, querida Renata, por mais este post precioso, que me faz recordar tanto dos meus tempos de pai como de avô. Com meu abraço afetuoso, Cesar
Renata Feldman says
Tempos especiais, Cesar. Preenchidos com muita emoção e alegria, tenho certeza.
Abraço carinhoso!
Vera Mesquita says
Ah… o tempo… Misterioso tempo que não volta mais… Quem me dera isso acontecesse… Nem que fosse por alguns momentos…
Lindo texto, Renata!
Renata Feldman says
Através das lembranças ele volta, Vera, acaba voltando um cadinho… De uma outra forma, eu sei, mas não deixa de tocar o coração.
Muito obrigada, minha querida! Sempre me alegro de te ver por aqui.