Andei conversando com Carlos Drummond de Andrade e me juntei a ele nesta doída pergunta:
“Por que Deus permite que as mães vão-se embora? (…)
Mãe, na sua graça é eternidade.
Por que Deus se lembra – mistério profundo – de tirá-la um dia? (…)”
Se para todos os filhos do mundo esses versos traduzem emoção e verdade, o que dizer daqueles que perdem suas mães muito cedo? Quando os braços ainda são curtos para abraçar e os olhos ainda não viram tudo o que essa vida tem para ensinar; quando voltam da escola ávidos por tagarelar as notícias, contar como foi a prova, mostrar o joelho ralado no futebol; quando começam a nascer as primeiras espinhas, o primeiro amor, os problemas que vão muito além da matemática.
Mãe é especialista em amar, ad aeternum, não importa a idade dos filhos. Mas quando eles são pequenos, mais presente e rotineiro esse amor se mostra. É bom dia, boa noite, cobertor para proteger do frio; é colo, acolhida, para-casa, para-vida, livro de histórias, reza antes de dormir; é sim, não, limite; é remédio, leite morno, despertador, médico, dentista; é ensinamento, puxão de orelha, cinema, cafuné. Hora do banho, cortar a franja, cortar as unhas e as asinhas. É emoção na formatura, torcida pra vida inteira, amor que não tem tamanho.
Pai também merecia um poema à parte, eu sei. Seu lugar é nobre, de uma preciosidade igual. E que bom que ainda tem ele quando uma mãe parte cedo demais. Pai é grandeza, amor e força, tudo o que os filhos precisam para continuar apesar do pedaço que falta.
Chamei Drummond pra conversar depois de uma notícia triste assim. Difícil de receber. Cheguei ao velório tentando buscar, em meio à dor conjunta, coletiva, alguma explicação que pudesse me dar um pouco mais de entendimento. Não encontrei. O cortejo seguiu em silêncio, um silêncio arranhado. Atrás dos homens que carregavam honrosamente o caixão, um menino e uma menina seguiam como podiam, nenhum braço a lhes envolver os ombros, nenhuma mão a segurar as suas. Olhei para eles com especial compaixão e carinho e, quase me faltando a lucidez, pensei: “Meu Deus, cadê a mãe desses meninos?”
Era por ela que estávamos ali, reunidos. Ela dela que nos despedíamos. Seu filho, amigo do meu, menino querido que quando adentra a minha casa é pura luz e alegria, tinha os olhos afundados de tanto chorar.
Por quê? Por quê? (…) Algumas perguntas ficam sem resposta, mas os filhos jamais ficam sem mãe, tenho certeza. Muda a rotina, muda a vida, muda tudo. Mas como bem disse o poeta, “Mãe, na sua graça é eternidade.” Permanece viva, para sempre, no coração, iluminando lá de cima, cobrindo de amor – feito cobertor – quem aqui ficou.
Cláudia says
Como sempre fazendo reflexões lindas. Como é difícil perder….
Renata Feldman says
Obrigada, Cláudia. A gente precisa mesmo refletir para dar conta do coração.
Seja bem-vinda, volte sempre!
Cesar Vieira says
Ainda bem que nós estaremos por mais tempo com nossos filhos do que nossos pais estiveram conosco, prezada Renata.
Renata Feldman says
E que esse tempo seja vivido da melhor forma possível, Cesar. Com a preciosidade que lhe é peculiar.
Abração!
Selma M, R. ARAÚJO says
Nossa Renata, que tristeza, que sofrimento! Penso que filho não tem idade para ficar órfão… . ???
Renata Feldman says
Haja coração, Selma. A qualquer tempo já é doído, mas na infância a falta se alarga, se amplia…
Abraço carinhoso!
Cláudia says
Tão triste….e tão lindo. Obrigada querida por este tempo dedicado ao menino e a menina que seguiam o cortejo.
Renata Feldman says
Claudinha querida… Eles merecem todo o tempo e amor do mundo.
Márcia says
Dor que dilacera qualquer coração … Imagina o destas crianças – coitadinhas !!!
Renata Feldman says
Sim, Márcia. Mas com a dor também vem uma força, um sopro de vida que os conduz para frente. E, assim, podem crescer homenageando a mãe com tudo de bonito que viverem e fazerem.
Beijo, querida!
Cidinha Ribeiro says
Hoje me lembrei de minha mãe, Renata. Morreu velhinha, mais de noventa anos. (Você esteve lá.) Mas, como me faz falta… Queria tanto que ela estivesse aqui! Me lembrei dela ouvindo as músicas que ela cantava. Tinha uma voz linda.
Sinto que, ao perder nossa mãe, ganhamos uma forma nova de ser triste, uma tristeza mansa, que chega para uma visita rápida e fica para o jantar.
A verdade é que nos tornamos eternos carentes, mesmo que em meio à abundância.
Sinto muito pela criança que perdeu sua mãe tão cedo, Renata. Nem adianta lhe dizer que a mãe virou estrelinha. Existem noites sem estrelas visíveis no céu. Como alimentar a ilusão, enganar a solidão?
Depois de bem velhinhas, mães deveriam ter um paraíso aqui mesmo, logo ali, ao alcance de nossa saudade.
Renata Feldman says
Cidinha querida, cada palavra sua, escrita com o coração, vira poema dentro da gente. De uma lindeza só, ver o tanto de saudade e o tanto lindo de mãe que vive em você.
Muito obrigada!
Junia Sábato says
Lindo texto que cala fundo. Parabéns, Renata, por nos fazer sentir o que vai na alma , num momento assim. Você é especial.Que Deus abençoe esse dom, sua alma generosa e sábia. Bjs
Renata Feldman says
Amém, Junia querida! Se eu não escrever acho que passo mal!…
Muito obrigada por cada palavra sua.
Beijo!
Vera Mesquita says
Que tristeza, Renata! Pobres dessas duas crianças!
Como é difícil entender esse mistério! Deus leva a mãe, deixando os filhos sem chão, sem ar, sem luz… Numa escuridão sem fim!
Mas depois, como que por um milagre, a dor vai amenizando e Deus permite que a mãe continue para sempre no coração do filho.
Muito lindo e emocionante o seu post! Parabéns, querida!
Renata Feldman says
Os mistérios dessa vida são mesmo difíceis de decifrar, Vera. Tão difícil entender, tão fácil sentir. Busco minha rima preferida e insisto na grandeza do amor, muito além da dor, pra gente criar força e seguir em frente.
A mãe desses meninos continua desde sempre através deles, e isso é de uma riqueza profunda.
Muito obrigada, querida. Beijo carinhoso!
Angela Belisário says
Nossa lindo texto,.
Suas mensagens nos fazem pensar e refletir sempre no cotidiano.
Bjs
Renata Feldman says
Obrigada, querida. A vida está sempre conversando com a gente…
Beijo carinhoso!