Ontem mesmo você estava aí brincando de faz de conta. Fez de conta que era pirata, odalisca, baiana, avestruz, Banana de Pijama. Ou usou de um pouco mais de discrição e fez de conta que era pescador, cozinheiro, amante, viajante, descobridor dos sete mares. Teve gente que colocou a fantasia de Soneca da Branca de Neve e não tirou mais, aderência total ao Bloquinho da Fronha e do Travesseiro.
Mas aí o carnaval acaba e o faz de conta continua. Faz de conta que está tudo bem; que o seu trabalho é a melhor coisa do mundo, e que o seu chefe é expertise em te motivar a ser alguém melhor na vida.
Faz de conta que o seu casamento é feliz, tão feliz como no dia em que você disse sim e prometeu juras de amor ao pé do altar. (Falta de ar.)
Faz de conta que a sua família é perfeita, quase propaganda de margarina, e que ninguém nunca entra em conflito nem comete equívoco nem nunca se desencontra. Nunquinha.
Faz de conta que aquela amizade de longa data continua intacta apesar da distância e da falta de cumplicidade. Saudade.
Faz de conta que o seu filho está bem, obrigado, e que por trás daquele bom dia lacônico se esconde uma dor que você prefere ainda não enxergar. Faz de conta.
Algumas relações se desmancham como quarta-feira de cinzas. Algo acaba, termina, no mínimo se modifica, quer você queira quer não. O que sobra, de resto, é uma tristeza, uma ressaca, uma sede que nem água mata.
Para tempos cinzentos assim, a constatação de que a vida tem seus ciclos para abrir e fechar, vide as primaveras risonhas que sucedem os invernos mais ranzinzas.
Depois do brilho e do sol do carnaval (até mesmo debaixo d´água, se São Pedro decidir), vem as cinzas para confirmar, sem maquiagem ou disfarce, o quanto a vida é feita mesmo de contrapontos. “O que ela quer da gente é coragem“, já dizia meu amigo Guimarães Rosa. E um tanto de autenticidade também, acrescento, nada melhor pra gente seguir inteiro por aí e ser o melhor que cada um consegue ser.
É das cinzas que se renasce.
Regiane says
Ah Renata que bela inspiração para meu novo ciclo! Obrigada por escrever sempre nos contagiando com esse seu jeito doce de encarar o cotidiano.
Valeu!
Renata Feldman says
Que o seu novo ciclo seja vivido com muita alegria e realização, Regiane!… Fico feliz de fazer parte dele de alguma forma.
Abraço carinhoso!
Angela Belisario says
Valeu Renata, um novo ciclo se iniciou na quinta de cinzas para mim. Novo rumo no modo de viver, mas o que importa é que Deus me prestigiou com a vida.
Vamos deixar o samba se ir, tocar presente de mais um dia de vida.
Obrigada pelas lindas palavras que nos presenteia quando escreve.
Beijo carinhoso.
Renata Feldman says
Estou com você, querida, pelas vias do pensamento e do coração, enviando as melhores energias para o seu novo ciclo. Cuide-se bem!
Vera Mesquita says
Ah… O nosso amigo Guimarães Rosa… “O que a vida quer da gente é coragem”. E haja coragem! Eu que o diga, né Renata!… Pra seguir inteiro, pra não desmoronar e desistir de tudo, pra não mandar parar o mundo e descer…
É preciso renascer das cinzas, a cada dia!…
Parabéns, querida! Mais uma vez, você brilhou!
Beijo carinhoso!
Renata Feldman says
Haja coragem, minha querida. E haja luz também – essa aí que você tem – para o mundo continuar seguindo, sereno e lindo, como a gente quer.
Beijos carinhosos, cuide-se bem!
cecilia caram says
Sua fênix ressurgindo sempre, e não se rendendo…bjos RÊ amada. Cil
Renata Feldman says
Renascer sempre, minha querida Cil. Avante e rente, como a vida nos convida.
Abraço apertado!
Carlos Rogério Zech Coelho says
Mais um lindo e inspirado texto para o deleite de quem tem o privilégio de degustá-los, cara e querida Renata.
E, inspirado no nosso amigo amigo Carlos Drummond de Andrade, pedindo licença ao mestre para parafraseá-lo, ” e agora José?” , a máscara caiu , o bloco passou e a Dona Vida nos aguarda na esquina , com as mãos na cadeira, peguntando com o semblante de repreensão :” por onde você andou?” Desde sempre nossa vida é um grande Carnaval,um verdadeiro Baile de Máscara eterno , onde só conhecemos os outros atores , quando as máscaras se derretem ao calor da Senhora Verdade…
Renata Feldman says
Muito obrigada, Carlos querido!
Quanta honra receber Drummond por aqui, e suas perguntas cheias de vida…
Abração!